LUSOFONIAS – Escancarar portas e corações

Tony Neves, na Basílica de S. Pedro

Ao entrar na Praça de S. Pedro, um cartaz enorme convida à celebração deste VI Dia Mundial dos Pobres. Debaixo do cartaz está um posto móvel de saúde, que faz consultas, exames e vacinas a pessoas com dificuldades financeiras. Além disso, o Vaticano pagou contas de água e luz e distribuiu 5 mil cabazes de alimentação.

A Missa desta Jornada foi presidida pelo Papa Francisco, a 13 de  novembro, na Basílica de S. Pedro. O livro da celebração tinha como capa uma pintura de Santo António a distribuir pão aos pobres. Foi Eucaristia de casa cheia, com numerosos Bispos e Padres a concelebrar, eu incluído. Mas voltemos um pouco atrás no tempo. No dia de S. António, o Papa publicou a Mensagem para este dia. Chamou a atenção do facto de o mundo estar mais pobre. Ou melhor, há mais pobres no mundo, embora os ricos estejam cada vez mais ricos.

O Papa avançou com uma sadia provocação, ‘para nos ajudar a refletir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas da hora atual’. Lembrou que o mundo gosta de colecionar tragédias, uma vez que após a pandemia da covid, achou por bem arrancar para a guerra na Ucrânia, que veio juntar-se às muitas expressões de violência já existentes no mundo, uma autêntica ‘terceira guerra mundial aos bocados’.

Gritou o Papa: ‘Quantos pobres gera a insensatez da guerra! Para onde quer que voltemos o olhar, constata-se que os mais atingidos pela violência são as pessoas indefesas e frágeis. Deportação de milhares de pessoas, sobretudo meninos e meninas, para os desenraizar e impor-lhes outra identidade!’ Continua a desfiar o rosário as desgraças: ‘Milhões de mulheres, crianças e idosos veem-se constrangidos a desafiar o perigo das bombas para pôr a vida a salvo, procurando abrigo como refugiados em países vizinhos. Entretanto, aqueles que permanecem nas zonas de conflito têm de conviver diariamente com o medo e a carência de comida, água, cuidados médicos e sobretudo com a falta de afeto familiar’.

Lendo a II Carta aos Coríntios podemos ver que Paulo se preocupou ‘imediatamente em organizar uma grande coleta a favor daqueles pobres. Os cristãos de Corinto mostraram-se muito sensíveis e disponíveis. Por indicação de Paulo, em cada primeiro dia da semana recolhiam quanto haviam conseguido poupar e todos foram muito generosos’. O Papa Francisco faz um apelo semelhante hoje, pois há milhões de pessoas que merecem a nossa partilha solidária e as nossas portas abertas ao acolhimento de quem foge de contextos de alto risco. Diz o Papa: ‘Neste momento, penso na disponibilidade que, nos últimos anos, moveu populações inteiras para abrir as portas a fim de acolher milhões de refugiados das guerras no Médio Oriente, na África Central e, agora, na Ucrânia. As famílias abriram as suas casas para deixar entrar outras famílias, e as comunidades acolheram generosamente muitas mulheres e crianças para lhes proporcionar a devida dignidade. Mas quanto mais se alonga o conflito, tanto mais se agravam as suas consequências. Os povos que acolhem têm cada vez mais dificuldade em dar continuidade à ajuda; as famílias e as comunidades começam a sentir o peso duma situação que vai além da emergência’.

Há momentos na história em que as teorias parecem suficientes, mas hoje não! O Papa Francisco é claro, no fim da mensagem para esta Dia: ‘no caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém’. Há, por isso, que ultrapassar a mentalidade de um simples assistencialismo para avançarmos na direção de um desenvolvimento humano integral.

Voltemos à Basílica de S. Pedro.  Ali estavam muitas pessoas pobres, apoiadas por instituições. As palavras do Papa Francisco falaram alto e calaram fundo, insistindo em duas exortações, retiradas das Leituras: ‘não vos deixeis enganar’ e ‘testemunhai’. Falou da crise que o mundo vive e que deve ser vivida como uma oportunidade de crescimento. Perguntou: ‘face a tantas calamidades, face a esta terceira guerra mundial tão cruel, face à fome de tantas crianças, de tantas pessoas: posso desperdiçar, desperdiçar dinheiro, desperdiçar a minha vida, desperdiçar o sentido da minha vida, sem ter coragem e sem seguir em frente?’. É urgente escutar os gritos dos pobres e descartados, lutar contra as guerras, as alterações climáticas, as injustiças. Concluiu: ‘lutemos para dar a esta história um rosto diferente’.

Regressei a casa feliz mas preocupado porque o mundo tem mais pobres e os tempos que se avizinham, com esta ‘terceira guerra mundial aos pedaços’, não abre muitas portas à esperança. Mas os compromissos solidários, esses, vão mudar a história para melhor.

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Agência ECCLESIA

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