Tony Neves, no CESM-Silva, em Barcelos
A covid veio de mansinho e faz-nos lembrar aquelas noites que nunca mais acabam. O Papa Francisco, o lutador número um contra a pandemia e seus efeitos perversos, tem repetido à saciedade que de uma pandemia ninguém sai igual: ou saímos melhores ou saímos piores. E, quer queiramos quer não, a bola está do nosso lado!
O Papa Francisco, desde a primeira hora, chamou a atenção para a gravidade da situação, sobretudo pelo impacto terrível sobre os mais frágeis que, nesta situação como em todas as desgraças, pagam sempre a factura mais pesada. E nunca quis usar a comparação com a guerra porque esta é declarada pelos humanos e podia sempre ser evitada. O Papa falou sempre de uma ‘tempestade’ que surpreendeu as pessoas na mesma barca, frágeis e desamparadas. Num contexto destes, ou nos salvamos juntos ou nos afogamos todos. A nossa comum humanidade exige uma solidariedade sem fronteiras.
Tudo isto a propósito do Conselho Provincial Alargado dos Espiritanos em Portugal, que abriu portas no Centro de Espiritualidade da Silva-Barcelos, no passado domingo. Aqui estão reunidos padres e irmãos que vivem a sua Missão nos quatro cantos do mundo. Na hora da partilha inicial, todos – sem qualquer excepção – falaram dos tempos duros que se vivem e do brutal impacto da covid sobre os mais pobres. Darei apenas quatro exemplos dos muitos que cá foram partilhados.
Da Bolívia chegou o grito de uma instabilidade que gera pobreza e nem sequer permite reunir meios eficazes de combate à pandemia que vai dizimando o povo, directa ou indirectamente. Nas Missões confiadas aos Espiritanos, multiplicaram-se as iniciativas das ‘panelas comuns’ para matar a fome aos mais pobres cujo número aumenta de dia para dia.
De Angola, veio a partilha da situação cada vez mais preocupante das gentes mais pobres que vivem nas periferias das cidades, lá onde o pão de cada dia vem de pequenas compras e vendas que, em contexto pandémico, não se podem realizar. E muitos ali passam mal porque trabalham em empresas e escolas a quem a pandemia fechou as portas e, por isso, ficaram sem o salário que depende das horas que se trabalham. E havendo fome, aumentam logo os indicadores da criminalidade…
Do Paraguai veio o testemunho de quem vive o dia a dia de populações guaranis a viver sempre abaixo do limiar da pobreza e que, com a covid, ficaram sem nada com que combater a fome. Aumentou em flecha a violência, diminuíram os gestos de afecto. A fome foi sendo atacada com as ‘panelas populares’ que socorreram e ainda socorrem dezenas de famílias.
De Moçambique, daquele norte tão falado pelos ataques frequentes e violentos às povoações indefesas, chegou o grito dos missionários que acolhem deslocados e combatem a fome que deriva da pandemia misturada com a seca e a violência. Além de alimentos, distribuíram ‘celeiros’ pelas famílias, para que conservem o milho e a mandioca que cultivam. Os missionários agradecem os apoios recebidos e sentem que este trabalho solidário e humanitário ainda está para durar…
A verdade é que a procissão ainda vai no adro (e todos sabemos que quando a procissão vai no adro ainda tem que dar a volta a toda a freguesia!!!!). Mas já há conclusões a tirar e portas do futuro a abrir. Antes de mais, a convicção de que o combate vitorioso dependerá muito da vacina. E – mais do que a vacina – a covid apela a uma solidariedade sem fronteiras, exigindo uma opção clara pelos mais frágeis das nossas sociedades.
Sem amor, sem compaixão, não há amanhã que se apresente radioso. Mas parece ser convicção de todos que não estamos sós na tempestade e o barco há-de atracar em porto seguro. Dependerá de todos nós.