LUSOFONIAS – De Souanké a Brazzaville

Tony Neves, em Brazzaville

Há paisagens e há olhares que só podes gravar com o coração…Por isso, por mais que escreva, ninguém vai sentir o que eu senti, viver o que eu vivi. Mas começo com uma confissão:  já não me apetece contar kms! São demais, mas felizmente que numerei os ossos antes de vir! Avancemos…

Souanké é uma Paróquia-Missão a 275 kms de Ouesso, quase na fronteira com os Camarões. Os Espiritanos fundaram esta Missão em 1954, quando aqui viviam cerca de 17 mil bantos e 3 mil bakas (conhecidos por pigmeus). Houve muitos avanços e recuos na presença missionária, com longas ausências dos padres, o que mostra bem quão difícil é a missão nestas paragens de floresta equatorial. A presença das Irmãs de S. José de Cluny também não foi duradoura.

Recebido pelo P. Chatelain, espiritano que estudou em Angola, tive a oportunidade de visitar diversas comunidades, até 40 kms de distância. Foi bom entrar nas povoações, saudar as pessoas, rezar nas capelas, conversar com os cristãos que testemunham o Evangelho em contextos muito exigentes. Marcaram-me particularmente a visita à povoação de Cabosse (nascida na estrada que leva aos Camarões, à sombra de uma grande empresa de exploração florestal) e a uma comunidade baka, onde estive com as crianças que já aceitam ir à escola e com os líderes da aldeia. Também gostei muito da passagem por todas as salas de aula da Escola da Paróquia que tem cerca de 400 alunos. A celebração da Eucaristia às 6h da manhã não tinha muito povo, sobretudo porque as chuvas são torrenciais e as pessoas não têm como deslocar-se. Repeti vezes sem conta o ‘mbotê’, que traduz a saudação do ‘bom dia’ em lingala, língua nacional.

Complicações com transportes, impediram-me de fazer mais umas largas centenas de kms até Enyelle, na Diocese de Inpfondo, lá onde vivem e trabalham dois Espiritanos. Assim, vieram eles até Ouesso, onde nos encontramos, numa espécie de meio de caminho entre Enyelle e Brazzaville! Não foi a solução ideal (gostava muito de lá ter ido), mas foi o possível e, apesar de tudo, as pessoas valem mais que os caminhos e as terras. Foi um encontro emotivo, com a partilha de missões difíceis, com desafios a que é preciso responder todos os dias. A distância e a pobreza complicam a vida missionária e há que dar valor á coragem e á fé destes missionários e do povo com quem vivem. Pude assim, visitar bem a cidade de Ouesso, a maior de todo o norte do país, em franco desenvolvimento. Fui acolhido no Paço Episcopal onde, até há dois anos, o bispo era D. Yves Monot, Espiritano francês, que imprimiu uma marca profunda nesta Igreja e neste povo. A visita e celebração da Missa dominical na Catedral permitiram-me rezar com uma multidão de pessoas e viver a festa que é a assembleia dos cristãos semana após semana. Ainda tenho os olhos cheios de beleza por ter ido até às margens do enorme Rio Sangha, que dá nome a toda uma região do país. Não tem ponte, mas é atravessado por enormes camiões, autocarros e viaturas ligeiras, através do famoso BAC, essa embarcação que faz o ‘vai e vem’ de uma margem para a outra, ligando o extremo norte do país ao restante Congo.

Quase doze horas de estrada me levaram de volta a Brazzaville, num autocarro cheio de gente e de conversas cruzados, nada tendo a ver com o silêncio dos transportes públicos na Europa. Aqui, todos conversam como se fossem amigos de longa data! E é verdade que o tempo passa mais a correr, apesar da fraca qualidade das estradas.

Na capital, visitei duas comunidades paroquiais confiadas aos Espiritanos: Massengo e Ouenze. Há muita vida pastoral e muita gente nas celebrações e  movimentos. E, claro, tive que visitar a Catedral e a histórica Basílica de Sant’Ana, que transpira história por todas as pedras…E pude apreciar a beleza do largo Rio Congo, vendo do outro lado a enorme cidade de Kinshasa, capital do outro Congo.

Após reuniões de avaliação com os responsáveis Espiritanos do Congo, só houve tempo para rápidas fugas aos mercados populares e para alguns encontros protocolares. Como o tempo corre sempre em sentido contrário, tive que enfiar as roupas e os papeis na mala e rumar ao aeroporto para iniciar uma longa viagem de regresso à Europa, cruzando a África até Adis Abeba (Etiópia) e de lá rumando a Madrid, via Roma.

Agora é tempo de digerir visitas muito densas e ricas, assentando bem os pés no Capítulo Espiritano de Espanha onde grandes desafios estão em jogo.

Terminou em grande esta Missão no equador africano. Exausto, mas feliz. Os próximos tempos terão climas menos agressivos, mas não serão tão desafiantes. Ou talvez me engane…

Tony Neves, em Brazzaville

 

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Agência ECCLESIA

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