Tony Neves, em Souonke – Congo
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville. Reuni com os responsáveis Espiritanos num encontro de programação e definição de calendário. Após visita às futuras instalações de formação profissional de 80 crianças e jovens de rua, fizemo-nos à estrada, rumo a Lékana, numa viagem país adentro, sempre acompanhado do P. André (polaco) e do Rémi, o motorista que conhece o país como ninguém (só não conhece alguns dos muitos buracos das estradas!).
A paisagem e as conversas cruzaram-se nestes primeiros 300 e muitos kms que, com boa parte de viagem nocturna e alguns troços em mau estado ou com nevoeiro intenso, deram direito a quase nove horas de viagem. Pelo caminho, fomos vendo muitas pessoas a circular a pé, queimadas, carros avariados, paisagens de sonho, estrelas no céu, vegetação a invadir a estrada e muitas bancas de vendas de produtos agrícolas, ao longo de todo o percurso: mandioca, batata doce, bananas de muita espécie… De quando em vez, aparecia uma povoação maior e aí o mercado estava cheio de gente, com muitas propostas de jantar. Paramos em Lefini para um ‘mobokê’, um peixe do rio que é cozido embrulhado em folha de bananeira. Chuva e buracos na estrada marcaram os últimos 50 kms, chegando ao destino todos partidos, arriscando a matar dezenas de cabras que, às 23h15, já dormiam no quente alcatrão da estrada principal de Lekana, capital de um dos quatro distritos do norte do Congo, na fronteira com o Gabão.
Recebidos pelo P. Gael (congolês), fomos informados da Missa às 6h da manhã na Igreja, pelo que dormi muito a correr. O sábado foi de visita a duas das comunidades do interior, percorrendo horas de terra batida lamacenta e pequenos lagos formados pelas chuvas. Estivemos na comunidade interior de Saint Michel, a 20 kms, encontrando o povo e brincando com as inúmeras crianças que faziam corridas com camiões feitos de cascas de bananeira. A pé, pelo meio da uma floresta densa, fomos até ao rochedo onde está uma enorme cruz que se tornou local de peregrinação. Depois, visitamos e confraternizamos com o povo da comunidade de Okari e regressamos a casa, após esta manhã de rali nestas periferias onde o desenvolvimento tecnológico teima em chegar.
A Missa de domingo, em português e em kokouya, durou três horas, tudo cantado e dançado. Desde 1937, data da criação desta paróquia dedicada a Santa Teresinha, é assim. No fim, muitas saudações e ofertas de uma comunidade feliz e jovem.
Choveu torrencialmente toda a noite e, às cinco da manhã, já estávamos a caminho de Souanké, a mil kms dali. Paramos na catedral e no paço episcopal de Gamboma e fomos seguindo a estrada, ladeada por pequenas bancas comerciais. Deixamos o Plateau e entramos nas Cuvettes. Passamos Oyo, nas margens do rio Alima, lá onde nasceu o presidente Nguesso e, por isso, tem direito a aeroporto e muitos hotéis e edifícios imponentes. Continuamos na direção de Ouesso, ladeados por fazendas de gado. Fomos controlados em Obouya e almoçamos um peixe-cobra no mercado de Owando.
Atravessamos o equador e marcamos esse momento com fotos no monumento de Makoua, nas margens do rio Likouala. Depois de kms de savana, entramos numa área de floresta equatorial que nos enche os olhos de imponência e de verde, mas também nos obriga a passar por muitos camiões carregados de madeira. Tínhamos 811 kms feitos quando chegamos ao controlo de Keta, antes de Ouesso e tomamos a direção da fronteira dos Camarões, porque o nosso destino era Suonke, a 260 kms, lá onde os Espiritanos chegaram em 1954. Ali paramos era meia noite, após quase 20h de estrada! A exaustão do caminho (e duas grandes avarias no jipe!) não nos tirou a alegria da festa da chegada nem o reconforto de um banho e de um sono que duraria apenas 5h, pois a missa na paróquia foi às seis! Aqui, fala-se o Bakwele e o Nzieme, mas a língua litúrgica é o lingala.
Visitamos comunidades originárias e estes encontros foram momentos de muita alegria e missão. O jipe despediu-se de nós e rumamos a Ouesso para fazer, de autocarro, uma longuíssima viagem até Enyelle, para visitarmos a missão desafiante que ali acontece. Depois, há que pensar em quase dois dias para regressar, em autocarro, a Brazzaville… Sobre tudo o que se passou em Suonke e Enyelle, vou contar na próxima crónica. A Missão não pára….
Tony Neves, em Souonke – Congo