Tony Neves, no Bailundo
A cidade das acácias rubras, Benguela, já não me recebeu pintada de laranja, pois as flores já caíram, na maioria das árvores. Mas fui recebido de braços e coração abertos pela comunidade Espiritana do Pópulo, a Igreja mais antiga da cidade, dedicada a Nossa Senhora. Tive a alegria de celebrar a Missa com uma assembleia numerosa e viva, bem como encontrar o Conselho de Pastoral da Paróquia e o numeroso e dinâmico grupo de Leigos Espiritanos. Visitei ainda as Irmãs Doroteias e a original catedral da Diocese, saudando o P. Feliciano, o Vigário Geral.
Com o Lobito como ponto de chegada, deixei Benguela rumo à Catumbela onde me esperavam algumas dezenas de Religiosas e Religiosos para um tempo de encontro e formação sobre Sinodalidade, Jubileu e Missão. Foi uma manhã preciosa, pois pude encontrar muitos amigos, alguns que eu já não abraçava há muitos anos. De lá fui até S. João do Lobito onde pude ser contagiado pela felicidade, festa e fé do povo que animou as duas Missas a que presidi. Apesar de ser enorme, a Igreja encheu para a Eucaristia dos mais velhos e, depois, a dos jovens. Foram celebrações de duas vibrantes horas, ao ritmo dos batuques e de vozes fortes e afinadas, quase sempre em umbundu, a língua que é a alma deste povo.
Com os missionários, fui ainda celebrar à Capela de S. Bento, subindo aos morros que, de noite, iluminados, parecem uma cascata sanjoanina. Fomos a pé, quase a fazer alpinismo, passando por carreiros íngremes e apertados, entre as minúsculas casas de adobes cobertas de zinco. A Capela estava cheia, com gente fora. No fim, cantamos e dançamos no terreiro. Parecem faltar todas as condições materiais, mas abundam a fé, a festa e a arte de bem acolher. No caminho, o pároco partilhou a situação social gritante que tem provocado muitos casos de violência e assaltos, sobretudo por jovens delinquentes. A polícia teve já várias intervenções e a paróquia decidiu acabar com todas as missas e reuniões à noite, por razões de segurança.
A Paróquia de S. João do Lobito, fundada em 1982, tem 39 Capelas espalhadas pelo longo e acidentado morro, sobretudo povoado a partir do início da guerra civil, quando milhares de pessoas fugiram do interior, à procura de segurança e oportunidades no Lobito.
O Monte Belo foi a etapa seguinte. Iniciamos viagem na estrada nacional 100, que liga o Lobito a Luanda. Depois, tomamos a estrada nacional 250, para o Huambo. A Missão da Ndjinga, fundada em 1933, foi destruída e ocupada durante a guerra civil. Tem uma comunidade de Irmãs Teresianas e outra de Espiritanos, ali regressados em 2024. Têm Escola e Centro de Saúde. É extensa a geografia da Missão com 15 Centros e 169 Capelas, com território nos Municípios do Bocoio e do Balombo. Como quase todas as Missões que visitei, esta situa-se a cerca de 7kms da povoação, uma vez que o objetivo era trabalhar com os povos originários que viviam em aldeias fora das vilas, mais ocupadas pela comunidade de origem europeia. A picada que vai da estrada Lobito-Huambo até à Missão é tão má que devemos numerar os ossos à saída, para voltar a pô-los no sítio à chegada! O encontro com os missionários, a visita ao Monte Belo e as celebrações e reuniões com o Conselho de Pastoral preencheram os tempos curtos da visita. Há coisas que não se podem omitir e passar pelo Monte Belo sem comer o seu saboroso ananás é impensável nesta época de colheita! Tantos e tão doces que nem vale a pena pensar fazer análises de glicose nos próximos dias…
O Bailundo, já na Arquidiocese do Huambo, é vila histórica e notável porque ali estão as raízes dos povos Ovimbundu, personificados nos reis Ekuikui II e Katiavala. Os tempos de guerra civil foram cruéis, com a vila e as aldeias vítimas de sucessivas tomadas e retomadas pelos exércitos em conflito. A Missão da Hanga fica a 7 kms de picada horríveis, quase intransitáveis neste tempo de chuvas. Lá chegamos e encontramos os Espiritanos e as Irmãs de S. José de Cluny, numa Missão que tem uma enorme Igreja, Escola, Posto de Saúde, Internatos e centro de acolhimento a crianças órfãs. Anima uma extensa área, com 10 Centros e largas dezenas de Capelas. Emocionante foi a visita ao Cemitério onde, em lugar central, está sepultado o P. José Afonso Moreira, ali martirizado em 2006. Também me comovi no encontro com a trintena de crianças acolhidas pelas Irmãs. A mais nova foi recebida com apenas alguns dias de vida. Ouvi muitas histórias, todas elas de arrepiar. Mas encantaram-me com a alegria espelhada nos seus rostos por ocasião do canto de boas vindas.
Agora, há que rumar às terras do Bié, começando pelo Andulo…
20.01.2025
Tony Neves, no Bailundo