Tony Neves, em Roma
‘A cultura do cuidado como percurso de paz’ é o tema da Mensagem que o Papa Francisco escreveu para o Dia Mundial da Paz. No turbilhão de uma grande crise sanitária, o mundo viu agravadas outras crises: climática, alimentar, económica e migratória. Sentiu também o conforto da dedicação de quem cuidou das vítimas. Todos conhecemos testemunhos enormes de solidariedade, mas também vimos crescer ondas de nacionalismo, racismo, xenofobia e conflitos que apenas semeiam morte e destruição.
Para que a humanidade cresça no caminho da fraternidade é fundamental – diz o Papa Francisco – cuidarmos uns dos outros e da criação. A cultura do cuidado vai erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito.
O Génesis, primeiro livro da Bíblia, fala da importância do cuidado em relação às pessoas e à natureza, sendo Deus o modelo do cuidador. Os frágeis e a natureza são sempre protegidos pelos Escritos Sagrados.
Jesus, na Sinagoga de Nazaré, faz sua a Missão de anunciar a Boa Nova aos Pobres, a libertação aos cativos, o dar a vista aos cegos e libertar os oprimidos (cf. Lc 4, 18). Ele curou os doentes, é o Bom Pastor e o Bom Samaritano que cuida dos feridos. Deu a vida por todos na Cruz.
A caridade dos cristãos assenta nas obras de misericórdia. A primeira comunidade cristã partilhava os bens para apoiar os mais pobres. Esta imagem de marca estaria presente na Igreja até aos nossos dias. Os princípios da doutrina social da Igreja são a base de uma cultura do cuidado, fornecendo a sua ‘gramática’: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação.
O cristianismo deu à cultura o conceito de ‘pessoa’. Este exige relação, afirma a inclusão, a dignidade inviolável. Daqui derivam os direitos e os deveres dos humanos. Entre os deveres constam a responsabilidade de acolher e socorrer os pobres, os doentes, os marginalizados. Há que trabalhar pelo bem comum. Em momentos como este que o mundo atravessa, fique claro que estamos todos no mesmo barco e que ninguém se salva sozinho.
O compromisso por uma ecologia integral é decisivo para a construção da paz, uma vez que está tudo interligado: é preciso ouvir o clamor da terra e os gritos dos pobres. Temos que cuidar da nossa casa comum e ter preocupação e paixão por todos os humanos.
Os princípios sociais da Igreja são uma ‘bússola’ para os tempos que correm e os responsáveis políticos, económicos, sociais, académicos e científicos devem conhecê-los e servir-se deles, aplicando-os. Assim, o actual processo de globalização poderia tomar um rumo mais humano e mais fraterno.
O Papa Francisco apela ainda ao respeito pelo direito humanitário em contextos de guerras e violência que marcam a vida de milhões de pessoas. Ali, as crianças não podem estudar, os adultos não podem trabalhar, as pessoas são obrigadas a fugir. Se as causas dos conflitos são muitas, as consequências são sempre as mesmas a afectar os mesmos: destruição e crise humanitária. O Papa volta a insistir na ideia de retirar dinheiros a orçamentos para fabricar armas e criar um Fundo Mundial para combater a fome no mundo e contribuir para o seu desenvolvimento integral.
Educar para a cultura do cuidado é uma exigência urgente. O Papa dá sugestões: ajudem as famílias a cuidar e a ensinar esta cultura; as escolas e universidades pratiquem e ensinem esta arte; o mesmo façam os profissionais dos media. Conclui o Papa que uma boa educação constitui um dos pilares de sociedades mais justas e mais solidárias. No Pacto Educativo Global, o Papa empenhou o mundo da Escola neste caminho de fraternidade universal.
Há feridas por cicatrizar que chamam por artesãos de paz e exigem processos de cura e de novos encontros. Conclui o Papa Francisco: Neste tempo em que a barca da humanidade, sacudida pela tempestade da crise, avança com dificuldade à procura de um horizonte mais calmo e sereno, o leme da dignidade da pessoa humana e a ‘bússola’ dos princípios sociais fundamentais podem consentir-nos de navegar com um rumo seguro e comum. Sejamos, neste 2021, uma comunidade de irmãos e irmãs.