LUSOFONIAS – Corações que falam alto

Tony Neves

A Igreja e os media devem andar sempre de mãos dadas, até porque a Missão que Cristo confiou consiste em anunciar a Boa Notícia de que Ele venceu a morte e Deus tem um plano de felicidade para todos. Ora, há 57 anos, o Papa Paulo VI instituiu o Dia Mundial das Comunicações Sociais, publicando a primeira Mensagem e definindo o lugar no calendário: Solenidade da Ascensão. Assim, este ano será celebrado a 21 de maio. Também é significativa a celebração do centenário da escolha de S. Francisco de Sales como patrono dos jornalistas católicos. Há cem anos, este Bispo de Genebra, já dizia: ‘somos aquilo que comunicamos’.

É um exercício muito interessante o de ler todas as Mensagens que os sucessivos Papas escreveram até aos dias de hoje. Pode ler-se, nas linhas e entrelinhas, o que preocupava a Igreja e os impulsos que o Papa queria dar para que a comunicação cumprisse a sua missão de anunciar boas notícias e denunciar todos os atropelos que se fazem aos direitos e dignidade das pessoas. Informar, denunciar, formar, incentivar…são verbos importantes para uma estratégia de comunicação.

Ora, nos últimos anos, o Papa Francisco apostou em verbos: ‘ir e ver’ (2021) e ‘escutar’ (2022). Este ano, quis ir mais longe e mais fundo e o tema insiste no ‘falar’. Só que não basta dizer coisas, proferir palavras com a boca: há que falar com o coração, dando testemunho da verdade no amor. Se ‘foi o coração que nos moveu a ir, ver e escutar, é o coração que nos move para uma comunicação aberta e acolhedora’.

Sabemos – é um provérbio – que ‘ a boca fala da abundância do coração’, por isso é urgente mudar corações, neste nosso tempo ‘tão propenso à indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade’.

Comunicar bem não pode ser especialidade de jornalistas profissionais, mas é um dever de todos. Aqui, os media têm uma missão decisiva: devem difundir ‘aquele falar amável, para que a comunicação não fomente uma aversão que exaspere, gere ódio e conduza ao confronto, mas ajude as pessoas a refletir calmamente, a decifrar com espírito crítico e sempre respeitoso a realidade onde vivem’.

A Igreja vive tempos desafiantes com o caminho sinodal. Deve deixar-se guiar pelo Espírito Santo, aprendendo a escutar. Diz o Papa: ‘de uma escuta sem preconceitos, atenta e disponível, nasce um falar segundo o estilo de Deus, que se sustenta de proximidade, compaixão e ternura’.

A linguagem dos media tem de ser construtora de pontes: ‘falar com o coração para promover uma cultura de paz, onde há a guerra; para abrir caminhos que permitam o diálogo e a reconciliação, onde campeiam o ódio e a inimizade’. As lógicas belicistas, a propaganda que manipula a verdade e as finalidades ideológicas devem abandonar-se. É urgente a construção de uma comunicação ‘livre, limpa e cordial’. Para tal, é importante que nos coloquemos ‘à escuta do palpitar dos corações, para nos reconhecermos como irmãos e irmãs e desativarmos a hostilidade que divide’.

Celebramos este 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais um mês depois da partida de um dos maiores e mais emblemáticos comunicadores que a Igreja teve em Portugal: o P. João Aguiar Campos. Ocupou cargos de relevo no panorama comunicacional da Igreja (Diário do Minho, Rádio Renascença, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, etc), mas, sobretudo, foi um homem de comunicação que encarnou todos estes valores que a Mensagem do Papa proclama e incentiva a passar da teoria a uma prática quotidiana. Podia voltar a pegar em citações dos vários livros que ele escreveu, eu li e quero voltar a ler e meditar. Também seria uma mais que justa homenagem amplificar muito do que foi dito por ocasião da sua morte e funeral, na sua cidade (Braga) e na sua aldeia natal (Campo do Gerês), sobretudo a homilia feita pelo Arcebispo D. José Cordeiro que terminou a dizer: ‘muito obrigado, porque a primavera se agradece a quem a traz’. Mas prefiro cingir-me a três curtíssimas frases retiradas do ‘Intemporal’, aquela obra magnífica que publicou em 2020: ‘O risco das palavras adiadas é o de se estragarem depressa; muito mais que a comida fora do frigorífico em dia de calor’ (77);  ‘A vida dos que amamos e nos amaram não morre: amadurecida, está nas mãos de Deus’ (91); ‘O céu é, certeza certezinha, o jardim eterno de todas as cores!’ (197).

17.05.2023

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