LUSOFONIAS – Contra o naufrágio da civilização

Tony Neve

O Papa Francisco pisou Atenas 20 anos depois de João Paulo II. No discurso às autoridades e ao povo, definiu a Grécia como terra onde abundam a espiritualidade, a cultura e a civilização: ‘sem Atenas e sem a Grécia, a Europa e o mundo não seriam o que são; seriam menos sábios e menos felizes’. Recordou que os Evangelhos foram escritos em grego e que, em Atenas, ‘o olhar, além de ser impelido para o Alto, é-o também para o outro’, pois é uma cidade ‘ponte entre os povos’, berço da democracia. Esta está em crise na Europa e noutras partes do mundo, dando lugar a populismos e autoritarismos. Há que investir mais na boa política que convida à participação de todos como ‘arte do bem comum’, que presta uma atenção especial aos mais frágeis. Citando o Juramento de Hipócrates, feito pelos médicos, o Papa pediu respeito por todas as vidas e alertou para os custos humanos da covid 19, que mostrou ao mundo que todos são frágeis e necessitados uns dos outros.

Ao olhar as oliveiras que enchem a paisagem grega, o Papa fez um apelo à prática de uma ecologia integral que ame os pobres e defenda a terra das alterações climáticas. Citando Homero, condenou os que dizem uma coisa e fazem outra. O Papa repetiu o pedido de acolhimento fraterno e humano aos refugiados que ali chegam em grande número: ‘segundo as possibilidades de cada país, sejam acolhidos, protegidos, promovidos e integrados em pleno respeito dos seus direitos humanos e da sua dignidade’. Sendo árvores de longevidade, as oliveiras, neste berço da civilização, chamam a atenção para a conservação de raízes fortes, valorizando a importância da memória e da história.

O diálogo ecuménico, num país de maioria absoluta Ortodoxa, foi tema central, marcado por dois encontros entre o Patriarca Jerónimo II e o Papa Francisco, primeiro no Arcebispado  Ortodoxo da Grécia e, depois, na Nunciatura Apostólica. Sem ter medo de pôr dedos em feridas da história, disse o Papa: ‘venenos mundanos contaminaram-nos, a cizânia da suspeita aumentou a distância e deixamos de cultivar a comunhão’. Por isso, o Papa pediu perdão pelas culpas das Igreja Católica na divisão entre os cristãos. Há-de ser o Espírito a gerar a comunhão, segundo o modelo da Santíssima Trindade. O Espírito é ‘azeite de comunhão, de sabedoria e de consolação’. As Igrejas não podem ficar paralisadas pelas ‘coisas negativas e preconceitos de outrora, mas a olhar a realidade com olhos novos’.

O Papa Francisco encontrou responsáveis católicos na Catedral de S. Dionísio, em Atenas, onde escutou testemunhos em primeira pessoa. Definiu a Grécia como um laboratório para a inculturação da fé e reflectiu a partir do texto da intervenção de Paulo no areópago de Atenas, onde ele teve que responder às perguntas difíceis e aos ataques dos intelectuais presentes. Viveu uma situação incómoda igual à de todas as minorias e de quem anuncia o Evangelho em contextos de perseguição ou indiferença. Há que confiar na presença actuante do Espírito e olhar para a parábola do grão de mostarda que fornece uma grande lição de vida e apela à persistência e à confiança em Deus. Há que aceitar ser minoria sem ser insignificante.

O momento mais simbólico foi a visita, repetida cinco anos depois, à Ilha de Lesbos onde se encontram milhares de refugiados, com o sonho de viver na Europa. O Papa confessou que pouca coisa mudou. No Centro de Acolhimento em Mitilene, saudou muitas pessoas, prometendo continuar a lutar para ajudar a resolver este drama. Disse: ‘Sim, a emigração é um problema mundial, uma crise humanitária que diz respeito a todos’. O mundo está muito preocupado com  a pandemia, menos com as alterações climáticas  e muito pouco com as migrações. Afirmou: ‘os vosso rostos, os vossos olhos pedem-nos para não vos virarmos as costas, não renegarmos a humanidade que nos irmana, para assumirmos as vossas histórias e não esquecermos os vosso dramas’. É urgente que ‘superemos a paralisia do medo e a indiferença que mata’. Agradeceu às populações locais e às autoridades o esforço no apoio a quem ali chega sem nada. Condenou o uso de meios financeiros para construir muros e arame farpado (evocando razões de segurança e soberania), em vez de os aplicar no apoio às pessoas. O Mar que uniu os povos está a tornar-se um imenso cemitério. É urgente parar ‘este naufrágio de civilização’. É preciso trabalhar ao estilo de Deus: ‘proximidade, compaixão e ternura’.

Na Eucaristia (que vem de uma palavra grega), o Papa apresentou a corajosa figura de João Baptista que prega no deserto, lugar árido e perigoso, a conversão: ‘com Deus, as coisas mudam, Ele cura os nossos medos, sara as nossas feridas, transforma os lugares áridos em nascente de água’.

O Papa escutou testemunhos de jovens e apelou a um caminho de fé que não se deixe encantar pelas ‘sereias de hoje’ nem tenha medo das dúvidas, mas que viva sempre na atenção e reação ao ‘espanto’, que está na origem da Filosofia e no início do diálogo com Deus, que nos convida a abandonar o sofá, a fazer-se ao mar, e a servir os outros.

 

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Agência ECCLESIA

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