Tony Neves
O povo diz que ‘não há duas sem três’ e este princípio aplicou-se na minha vida, no que diz respeito a confinamentos forçados.
O primeiro foi há quase trinta anos, naquele longínquo e temível 1993, em Angola. A guerra civil parecia ter terminado em 1991, o Papa João Paulo II visitou o país no ano seguinte e houve eleições em setembro. Quando tudo parecia respirar festa e paz, eis que começa a ‘batalha do Huambo’, às 14h do dia 9 de janeiro de 1993. Ninguém suspeitaria que começava o mais doloroso confinamento da minha história, pois foram 55 dias e 55 noites sem pausa nos bombardeamentos e violentos confrontos dentro da cidade. Fechados no frágil e térreo edifício do Seminário Menor Espiritano, na Cidade Baixa, começamos por ser alvo dos ataques da UNITA e, com a tomada daquela parte da cidade pelas tropas deste partido da oposição, ficamos a aguentar as investidas das forças armadas terrestres e aéreas do MPLA.
Não há palavras para definir a dureza deste confinamento, sempre com o coração nas mãos, entre a vida frágil e a morte iminente, uma vez que eram tantas as explosões e rebentamentos que a vida estava presa por um fio. Éramos mais de 50, entre os habituais habitantes deste Seminário e as Irmãs, meninas das Irmãs e outras pessoas que se refugiaram ali.
Os momentos mais críticos eram sempre os da chegada dos aviões que lançavam toneladas de dinamite sobre a cidade, abrindo enormes crateras e destruindo muitos edifícios com a deslocação do ar e milhares de estilhaços. Destes 55 dias e noites terríveis, guardo três particularmente duros: quando dois aviões largaram duas enormes bombas que caíram ao lado de nós, não tendo nenhuma delas rebentado! Depois, quando militares forçaram a entrada do Seminário durante a noite para nos roubar e, quem sabe, raptar – conseguimos evitar que eles rebentassem as trancas enormes que pusemos nas portas e janelas! Finalmente, quando um míssil lançado por um tanque nos entrou pela parte detrás da casa, destruindo o motor gerador, partindo telhas e os vidros que ainda restavam e levando pelo ar cadeiras onde, uns minutos antes, eu e outros estávamos sentados, confiantes de que ali estávamos melhor protegidos!
Este confinamento durou uma eternidade, mas saímos todos sãos e salvos do Seminário, no meio de uma cidade destruída, com milhares de mortos, feridos e desaparecidos em fugas. O fim dos combates, a 6 de março, marcou uma nova era de mortes e destruição, mas todos pudemos sair à rua e retomar a normalidade possível…
O segundo confinamento vivi-o já aqui em Roma, entre março e maio de 2020, com a chegada inesperada da covid 19, que parece que veio para ficar entre nós. O espanto e o medo tomaram conta do mundo, mas a Itália foi o país europeu que mais sofreu o impacto dos primeiros tempos. Os comboios de carros militares a levar centenas de caixões para cremar ainda povoam a memória sofrida dos primeiros ataques da pandemia no norte de Itália. O país fechou, o mundo inteiro foi dando voltas à chave e, até fim de maio, o pânico instalou-se. Fechado na nossa Casa Geral, em Roma, fui recordando os tempos do Huambo e, com este reavivar da memória, pude sentir-me mais calmo, pois não havia bombardeamentos nem ataques de militares nesta tempestade que se levantou no mar da vida! Custou o medo do desconhecimento deste vírus, foi duro ficar fechado entre quatro paredes e um jardim, doloroso foi o rasgar das páginas da agenda, angustiante foi a incógnita quanto ao futuro que se desenhava na linha do horizonte. Mas, com a vinda dos primeiros calores primaveris, o vírus perdeu força e o mundo foi abrindo. Depois, vieram as vacinas e os cuidados de higiene…
Finalmente, o terceiro confinamento chegou em janeiro deste ano. 11 de janeiro, para ser mais exacto. Vou eu do Porto para Lisboa com viagem marcada para o Brasil quando, por obrigação, faço um teste PCR e…deu positivo! Não tive quaisquer sintomas, mas a programação da visita a S. Paulo desfez-se como uma baralho de cartas. Toca a fechar-me, a responder a inquéritos atrás de inquéritos, a contactar diariamente a minha médica de família, a marcar mais uma viagem, a reprogramar as actividades onde deveria participar no Brasil! Foram sete longos dias, sem dores, mas com muita impaciência, pois não fui feito para estar fechado, mas para me fazer sempre ao largo! De qualquer modo, não tenho de que me queixar, pois nunca me faltou nada e, na hora de sair à rua e fazer novo teste, negativei e parti para S. Paulo onde a Missão continuou com os ajustes exigidos.
A vida prega muitas partidas, faz-nos muitas rasteiras, obriga-nos a ser criativos e a rasgar constantemente novos caminhos de futuro. Em muitos momentos da nossa história, sentimos que o Espírito intervém obrigando-nos a um desprendimento de projectos e bens, atirando-nos para uma linha da frente onde tudo é novidade. Há, por isso, que estar disponível e atento aos sinais dos tempos, aos acenos e apelos de Deus.