Tony Neves, em Cabo Verde
Há coisas muito improváveis nesta vida. Uma delas é que um bar termine em convento. Mas isso aconteceu aqui na cidade da Praia nos finais dos anos 60. A história é simples: após a Concordata e o Acordo Missionário de1940, o Vaticano decidiu dar a Cabo Verde um bispo residente e nomeou o Padre Faustino Moreira dos Santos, missionário Espiritano a trabalhar em Angola. Ele chegou em 1941 com outros Espiritanos e foi até S. Nicolau onde funcionou o Paço Episcopal até mudar definitivamente para a Praia em 43.
Roma confiaria aos Espiritanos o cuidado pastoral da Ilha de Santiago e eles foram chegando e assistindo pastoralmente outras Ilhas como era o caso do Maio e da Boavista. Em 1963 chega o Padre José Maria de Sousa, jovem de rasgo e visão larga que, eleito Superior no ano seguinte, decide arranjar espaço no coração da cidade capital, o Plateau, para ali instalar a residência principal dos Missionários. E acabaria por comprar o grande Bar Benfica e os terrenos anexos. Assim, um Bar se transformou num Convento. Mas só com a chegada do P. José Pires, em 1980, se fariam grandes obras para transformar também a Casa em Seminário. Hoje, após obras de grande dimensão, a Casa Principal dos Espiritanos é um grande edifício com uma excelente vista para o porto. Mas voltemos à história da presença Espiritana neste país da ‘morabeza’ (a arte de bem acolher) e da ‘sodade’ (tão bem cantada por Cesária Évora e tantos outros que fizeram da morna Património Imaterial da Humanidade).
Em 1954 chega aqui o P. Custódio Campos, natural de Joane, Famalicão. Agarrou-se de tal maneira a este povo que nunca mais saiu, a ponto da sua última ida a Portugal ter sido há mais de 30 anos! Conhece e fala o crioulo com excelência, sabe de cor e salteada a história deste povo, conta estórias extraordinárias, umas lindas, outras tristes, sejam elas sobre as viagens de barco para o Maio, as corridas de mota nas areias da Boavista, as visitas ao Campo de Reclusão do Tarrafal ou as tentativas de enviar pessoas para Portugal a fim de fugirem à fome que vitimou muitas pessoas, sobretudo nos finais dos anos 60 com a seca severa que se instalou nas Ilhas. O P. Campos é hoje conhecido e reconhecido por quase todos os caboverdianos, pois tornou-se figura lendária. Os seus últimos anos de pároco foram na Cidade Velha. Hoje está na Casa Principal (o antigo Bar Benfica) de onde sai para celebrar Missa e para distribuir bens de primeira necessidade a famílias pobres que ele foi identificando e apoiando. Nem os 90 e bastantes o fazem curvar e parar.
Mas a presença Espiritana em Santiago tem outras referências. O P. Gil Losa, natural de Marinhas – Esposende, está cá desde 1964, tendo dado o melhor de si na paróquia de Santa Cruz de Pedra Badejo. O P. Alberto Meireles chegou no ano da grande seca, 1968, e nunca saiu de S. Lourenço dos Órgãos. O P. José Pires foi formador nos Seminários em Portugal até 1980, ano da sua chegada a Cabo Verde, onde continua a sua Missão na Praia. Mais recentemente, chagaram os Padres Carlos Gouveia, antigo missionário em Angola e Portugal e o P. Raul Lima, hoje pároco de S. Lourenço. Trabalha aqui também o P. Justin, jovem nigeriano que apoia os anglófonos da Ilha. E, como lindo sinal dos tempos, trabalham cá cinco jovens caboverdianos: o P. Joaquim Brito, hoje responsável máximo dos Espiritanos, com os Padres Manuel Semedo e Saturnino Afonso (na Calheta de S. Miguel), o P. Simão Varela (Pedra Badejo) e o P. António Honorato (Cidade Velha e pastoral carcerária).
Trata-se de uma Missão junto de populações simples e pobres com uma vontade enorme de celebrar a Fé, como podemos experimentar sempre que participamos numa Eucaristia, sobretudo quando há festa. Pude, mais uma vez, fazer essa experiência de Fé e Alegria neste domingo em que participei na Eucaristia da Festa dos Consagrados e da Apresentação do Senhor, em S. Domingos.
A riqueza desta terra e deste povo não é muita. Mas há organização, fé, alegria e confiança no futuro.