LUSOFONIAS – As provocações de Timothy Schmalz

Tony Neves, em Roma

As obras falam mais dos seus autores do que as palavras que pronunciam ou escrevem. Isto aplica-se a livros, mas muito mais a pinturas e esculturas.

Quando vou à Praça de S. Pedro, aqui em Roma, fascino-me sempre com a grande escultura de Timothy Schmalz, a ocupar um espaço lateral discreto, junto à colunata de Bernini. Chama-se ‘Anjos desconhecidos ‘ (Angels Unawares – seguindo a Carta aos Hebreus 13,2) e foi inaugurada pelo Papa Francisco em setembro de 2019, por ocasião do 105º Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados. Muito se escreveu e continua a escrever sobre este monumental grupo escultural de bronze que apresenta 140 pessoas a viajar (talvez seja melhor dizer, ‘a fugir!’) no mesmo barco. Há uma série de elementos que saltam aos olhos de quem vê a escultura. Estão ali retratadas com realismo pessoas de todas as idades, proveniências e posses. Os rostos são muito expressivos, o mesmo se podendo dizer das roupas, calçado (ou falta dele!) e outros haveres que transportam, não faltando a presença de animais de estimação e brinquedos.

Há mais de 400 anos que não se colocava nenhuma obra de arte na praça de S. Pedro e podemos imaginar a força que o papa Francisco teve de fazer para ali ser colocada esta estátua que, digamos com frontalidade, destoa muito do clássico estilo de Bernini! Mas este escultor canadiano é um homem muito sensível às Obras de Misericórdia e tem colocado o seu enorme talento e criatividade ao serviço do apelo por mais justiça, paz e respeito pelos direitos humanos.

Schmalz tem mais esculturas espalhadas por Roma e pelo mundo. Bastantes delas traduzem plasticamente as obras de misericórdia. Quem vai à Basílica de S. Paulo fora dos Muros encontra uma pequena escultura, à saída, com alguém atrás das grades de uma prisão e a frase: ‘Estava preso e visitaste-me!’. No Trastevere, na Praça de Santo Egídio, tem a provocadora estátua de um sem abrigo a dormir num banco de jardim. Só que, quando nos aproximamos, vemos que as mãos e os pés têm as marcas dos pregos de Cristo na Cruz. Este ‘Homeless Jesus’ foi ali colocado para celebrar os 50 anos da fundação da Comunidade de S. Egídio que tem desempenhado um papel relevante na pacificação de muitos povos e no combate à pobreza e suas causas. Há quase uma centena de cópias desta estátua espalhadas pelo mundo inteiro.

Outra estátua que me obriga sempre a parar quando passo junto ao Hospital do Espírito Santo, nas margens do Rio Tibre: ‘Estava doente e foste visitar-me!’ é o título. Há uma pessoa doente, deitada numa cama, também com as marcas dos pregos da crucificação, nas mãos e nos pés.

O Papa Francisco chamou a atenção do mundo inteiro para o drama de milhões de migrantes e refugiados quando, durante a última sessão sinodal, convidou todos os participantes neste evento mundial para um momento especial de oração junto à estátua de Schmalz na praça de S. Pedro, a 19 de outubro de 2023: ‘Nunca conseguiremos agradecer suficientemente a São Lucas por nos ter transmitido a parábola do Bom Samaritano. A mesma está também no centro da Encíclica ‘Fratelli Tutti, porque é uma chave, eu diria a chave, para passar do isolamento que sofre o mundo a um mundo aberto, dum mundo em guerra à paz num mundo diferente. Escutamos a parábola, esta tarde, pensando nos migrantes, aqui representados nesta grande escultura, com homens e mulheres das mais variadas idades e proveniências; e, no seu meio, os anjos que os conduzem.

A estrada, que levava de Jerusalém a Jericó, não era segura, tal como hoje não o são as numerosas rotas migratórias que atravessam desertos, florestas, rios, mares. Quantos irmãos e irmãs estão, hoje, na mesma condição daquele viandante da parábola! Tantos! Quantos são roubados, espoliados e espancados no caminho! Partem enganados por traficantes sem escrúpulos; depois são vendidos como mercadoria de intercâmbio. Acabam sequestrados, prisioneiros, explorados e reduzidos à escravidão. São humilhados, torturados, estuprados. E muitos, muitos, morrem, sem nunca chegar à meta. As rotas migratórias do nosso tempo estão cheias de homens e mulheres feridos e abandonados semimortos, cheias de irmãos e irmãs cujo sofrimento brada aos olhos de Deus. Com frequência, trata-se de pessoas que fogem da guerra e do terrorismo, como infelizmente temos visto nestes dias’.

Schmalz descreve as suas esculturas como ‘orações visuais’. E são-no, de facto, porque provocam quem as vê, convidando-as a aprofundar as fontes bíblicas em que se inspiram. E mais: obrigam a refletir, a rezar e a mudar mentalidades e atitudes. Deixemos que a voz e as obras dos artistas falem alto e calem fundo. Eles ajudam o mundo a ser melhor.

Tony Neves, em Roma

 

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Agência ECCLESIA

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