LUSOFONIAS – Angola, 50 anos de luzes e sombras

Tony Neves, em Roma

Huambo, 21 de janeiro de 2025. No fim de uma sessão no Instituto Católico (ISPOCAB), abriu-se o espaço de debate. Um missionário ancião, latino-americano, disparou-me esta pergunta: ’50 anos depois, o que pensa da independência de Angola?’. A minha resposta foi clara: ‘a independência é um direito dos povos, só posso alegrar-me e felicitar os angolanos por serem independentes’. Pouco satisfeito com a resposta, avançou com outra: ‘E como português, como vê a independência de Angola?’. Eu brinquei um pouco, agradeci a ‘armadilha’ e reafirmei: ‘como português, como padre, como cidadão do mundo, só me posso alegrar e associar à festa!’. As centenas de pessoas que enchiam o auditório brindaram-me com uma prolongada e animada salva de palmas, mas eu não disse o que disse com o objetivo de agradar. Penso mesmo que todas as independências são um direito inalienável e celebrar 50 anos de uma independência deve ser motivo de muita festa. Mas também há que avaliar.

Começo assim esta crónica para saudar a feliz iniciativa da Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé (CEAST) de escrever e publicar, a 17 de julho, uma longa e bem trabalhada mensagem para celebrar os 50 anos da independência deste país lusófono. Tem sido muito citada, ora para apoiar ora para contestar algumas das perspetivas ali gravadas. Com 48 densos pontos, acho o esquema feliz e provocador. Começa por referir todos os ganhos de uma vitória frente ao colonialismo. E, depois de deixarem claro que a independência é uma graça a celebrar, os Bispos têm a coragem de pôr o dedos em algumas das feridas abertas e ainda não cicatrizadas. Falar de ‘imperativos para mudança’ é assumir a missão profética de corrigir erros e propor caminhos de futuro assentes nos valores que constroem um país com cidadãos livres, responsáveis e comprometidos. A parte final consta de dez apelos, todos a apontar para um futuro de justiça, paz, democracia e respeito pelos direitos humanos. São interessantes e desafiantes as comparações entre colonialismo e neocolonialismos, as citações das intervenções dos Papas João Paulo II e Bento XVI em Angola, a ligação ao Jubileu da Igreja e seus valores, bem como as referências a algumas das mensagens mais marcantes da CEAST ao longo destas últimas cinco décadas de Angola.

Lembram os Bispos que ‘a independência foi o culminar de uma resistência permanente contra o regime colonial português e proporcionou a liberdade aos filhos de Angola, resultando em incontáveis benefícios’.  João Paulo II, na sua visita em 1992, num tempo de paz e de eleições, referiu a importância da ‘consolidação de Angola como um estado de direito, assente nos valores e nos princípios da vida, da justiça social e do respeito mútuo’. Esta Mensagem refere, numa primeira parte, aspetos positivos evidentes: ‘são luzes que aplaudimos e de que nos orgulhamos’.

Com espírito crítico e construtivo, a CEAST aponta alguns ‘imperativos para a mudança’ que se impõem, para bem do povo. Falam de ‘estender a justiça social em favor de todos (…), com igualdade de oportunidades’, ‘prestando mais atenção à exigências da justiça social’. É importante e necessário reconhecer ‘os nossos erros, as nossa sombras e insuficiências’. Falam os Bispos do ‘pouco apoio à agricultura familiar’; do ‘contrabando e purga de minerais, inertes, combustíveis e outros recursos públicos’; deficiente política educativa’; ‘falta de saúde de qualidade’; ‘aberrante e alarmante desvio de fundos públicos, escandalosa expatriação de capitais’, ‘degradação do meio ambiente’; ‘escandalosa lógica de oportunismo’; ‘crescimento desordenado das cidades’; ‘falta de estradas, pontes e várias outras infraestruturas públicas’…e a convicção de há restrições à liberdade de expressão, o sistema político é centralizado e autocrático  e os conflitos herdados do passado mantêm reflexos nefastos nas relações hoje entre partidos…

Tudo somado, a independência foi um ganho enorme. É importante que ‘Angola seja cada dia mais independente, auto determinada e soberana’. Entre os Apelos Finais, saliento o último que diz que ‘é fundamental a educação das novas gerações nos valores sociais, culturais, éticos e cristãos para que elas percebam que são o presente o futuro da Nação’.

Tony Neves, em Roma

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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