Tony Neves
A COP26 encheu Glasgow de líderes políticos, cientistas, jornalistas e activistas sociais e ambientais, durante 14 intensos dias. Houve mesmo prolongamento de um dia para se chegar a um Acordo que se desenhava quase impossível nesta 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima. Mas ele foi assinado, mesmo que os resultados tenham ficado aquém do esperado e, sobretudo, muito longe do necessário. Contudo – quase todos o disseram –, há no ar uma nesga de optimismo, porque o Acordo Final é aberto e haverá um novo prolongamento no Egipto em 2022. Até lá, há que tentar aplicar com seriedade o que de positivo esta Cimeira trouxe à história.
Vi, li e ouvi muitas reacções. Comecemos pelos líderes. Cito só o Secretário-Geral da ONU, entidade organizadora. Fez o ponto da situação actual do planeta e lembrou que estamos no limiar da catástrofe climática e é preciso reduzir a zero as emissões de gazes com efeito de estufa, tentando descer o aquecimento global para 1,5% até ao fim do século. Desabafou que o nosso frágil planeta está preso por um fio e que é urgente gritar ‘basta!’, mas deixou uma palavra final de esperança: ‘Estamos na luta das nossas vidas. Nunca desistiremos. Nunca recuaremos. Continuaremos a avançar’. Isto só será possível se os líderes dos países mais poderosos do mundo aceitarem agir com urgência e coragem política, valor bastante ausente da Cimeira onde emergiram mais interesses que respeito pela dignidade e direitos das pessoas.
Os activistas e jornalistas acham que o Acordo Final deixou todos desconfortáveis. Há quatro frentes de incêndio a combater: tomar medidas de mitigação do aquecimento global resultante das alterações climáticas; a adaptação das economias e hábitos sociais às energias mais limpas; o financiamento destes ajustes, a assegurar sobretudo aos países mais pobres; e a justiça climática, aceitando recompensar quem tem mais perdas e sofre mais danos, provocados pelos desastres ambientais…
Todos notaram (e isto foi repetido à saciedade) que as ausências dos Presidentes da China, da Rússia e do Brasil foram péssimos indicadores de um alheamento destes países em relação á urgência e importância do tema em discussão. Parece óbvio a todos que, a continuar assim, o mundo sofrerá o progressivo aumento do nível das águas do mar (que tornará inabitável uma parte do planeta e cobrirá muito terreno arável), mas também levará a fenómenos climáticos como furacões, chuvas violentas, incêndios e secas, que tornarão ainda mais pobres populações que já estavam a viver em condições miseráveis.
Quando se fala do Acordo, salta logo à conversa a emenda proposta pela Índia (e aceite) de evitar a machadada final na utilização do carvão como energia. Assim, em vez de ‘eliminação progressiva’ foi utilizada a palavra ‘redução’, mostrando quanto certos países continuam a depender muito deste combustível fóssil. Mas também há um consenso alargado em relação às possibilidades de melhorar num futuro próximo.
O tão badalado financiamento para a mitigação e adaptação das economias não foi globalmente aprovado. Apontavam-se 100 milhões de dólares por ano, mas apenas se nomeou uma comissão para avançar com esta dossier complexo. Talvez a maior vitória teórica se obteve no âmbito do combate à desflorestação. Mais de cem países assinaram um acordo de compromisso para, até 2030, acabar com o derrube das florestas. O Brasil inclui-se neste grupo, mas falta saber como passar à prática esta decisão, tão importante como difícil de aplicar e controlar. E é preciso, antes de mais, arranjar os 20 mil milhões de dólares que são necessários para pagar a protecção das florestas.
Os activistas sociais e ambientais disseram em Glasgow que são os direitos humanos e as questões do ecossistema que mais preocupam a sociedade civil. Os líderes políticos parecem não valorizar esta dimensão, adictos que estão aos interesses económicos e empresariais. Também foi lá dito que a transição energética não pode ser feita à custa das comunidades locais e povos indígenas. Daí que se toque no ponto nevrálgico da questão: o modelo de desenvolvimento que se quer implementar. É urgente colocar as pessoas e o planeta em primeiro lugar e nunca os interesses instituídos ou os lucros que se pretendem alcançar por qualquer preço. Por isso, mais de 60 organizações católicas, incluindo o Movimento Laudato Si’, publicaram uma declaração conjunta onde se afirma que ‘uma economia extractiva e insustentável, alimentada por combustíveis fósseis, está a provocar a crise climática que está a destruir a criação de Deus e a prejudicar os mais vulneráveis’. Há que mudar.
Se é verdade que as COPs são espaços indispensáveis para o diálogo e a partilha de perspetivas diferentes, há que aceitar que a solução para a crise climática que nos vitima exige a adoção de um novo modelo de desenvolvimento.
As portas do futuro continuam abertas, apontando um longo caminho a percorrer. Mas, como canta Pedro Abrunhosa, ‘vamos fazer o que ainda não foi feito (…) porque amanhã é sempre tarde demais’.