Tony Neves, na Basílica de S. Pedro, em Roma
Basílica de S. Pedro. Casa cheia. 29 de outubro. Fiquei de pé, com muitas centenas de pessoas, numa das alas laterais da basílica, num ambiente de silêncio pouco habitual num espaço onde o turismo tem mais lugar que a celebração da Fé. Missa de Encerramento oficial da Assembleia Sinodal. A procissão de entrada integrou todos os participantes deste grande evento eclesial.
A Assembleia Sinodal, que preencheu quase todo o mês de Outubro, foi mais um passo, certamente importante, na caminhada que arrancou há cerca de dois anos e ainda tem muito caminho pela frente, a ser percorrido com fé, oração, escuta, partilha, silêncio, reflexão e discernimento.
Depois desta longa maratona, os participantes despediram-se com uma longa Carta de onde retiro algumas passagens que julgo serem mais inspiradoras, pois abrem alas aos próximos tempos e apontam luzes para as etapas que se seguem.
‘Pela primeira vez, a convite do Papa Francisco, homens e mulheres foram convidados, em virtude do seu batismo, a sentarem-se à mesma mesa para participarem não só nos debates mas também nas votações desta Assembleia do Sínodo dos Bispos. Juntos, na complementaridade das nossas vocações, carismas e ministérios, escutámos intensamente a Palavra de Deus e a experiência dos outros. Utilizando o método do diálogo no Espírito, partilhámos humildemente as riquezas e as pobrezas das nossas comunidades em todos os continentes, procurando discernir aquilo que o Espírito Santo quer dizer à Igreja hoje’.
Os participantes desta Assembleia Sinodal não desligaram do mundo onde vivemos: ‘A nossa assembleia decorreu no contexto de um mundo em crise, cujas feridas e escandalosas desigualdades ressoaram dolorosamente nos nossos corações e conferiram aos nossos trabalhos uma gravidade peculiar, tanto mais que alguns de nós provinham de países onde a guerra deflagra. Rezámos pelas vítimas da violência assassina, sem esquecer todos aqueles que a miséria e a corrupção atiraram para os perigosos caminhos da migração. Comprometemo-nos a ser solidários e empenhados ao lado das mulheres e dos homens que operam em todo lugar do mundo como artesãos da justiça e da paz’.
Sobre a dinâmica impressa não restam dúvidas: ‘Para progredir no seu discernimento, a Igreja precisa absolutamente de escutar todos, a começar pelos mais pobres. Isto exige, de sua parte, um caminho de conversão, que é também um caminho de louvor: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21)! Trata-se de escutar aqueles que não têm direito à palavra na sociedade ou que se sentem excluídos, mesmo da Igreja’.
E a Carta termina assim: ‘Não tenhamos medo de responder a este apelo. A Virgem Maria, a primeira no caminho, nos acompanha em nossa peregrinação. Nas alegrias e nas fadigas, ela mostra-nos o seu Filho que nos convida à confiança. É Ele, Jesus, a nossa única esperança!’.
Foi publicada a ‘Síntese’, com 40 densas páginas, a 28 de outubro, no fim dos trabalhos da Assembleia. O título é sugestivo: ‘Uma Igreja que envolve todos e está próxima das feridas do mundo’. Multiplicaram-se conferências de imprensa e reações. Li. Mostra alguns pontos de consenso alcançados, mas lança questões abertas e difíceis, indicando a forma de prosseguir os trabalhos sinodais. Percebo bem a desilusão de quem, num extremo ou no outro, esperava e desejava um texto definitivo e fechado a reflexões e decisões futuras. Mas aprecio
este documento aberto, como convém nesta etapa sinodal. Tudo pode e deve ainda ser discutido nas igrejas locais para que a Assembleia de 2024 possa trazer ainda mais luz ao discernimento que o Papa será chamado a fazer em 2025 quanto escrever a Exortação Apostólica pôs sinodal. Até lá, há que continuar a refletir, debater, partilhar, aprofundar e rezar para que seja o Espírito a inspirar a Igreja. Nada poderá ser como dantes. Não há mais lugar para o não se querer mudar nada porque sempre se fez assim ou porque é tradição. Também não se aceita virar tudo do avesso sob pressão de lóbis ou agendas escondidas, vindas lá de onde vierem…. Este tem de continuar a ser um tempo do Espírito. Voltarei a ler esta Síntese e, depois de deixar assentar a poeira, a ela regressarei um destes dias.
Voltemos à Missa, em latim. Insistir em línguas mortas não gera muita vida. Ninguém respondia, ninguém cantava. Mas houve exceções ao latim: as leituras, a oração universal (uma em português) e a homilia do Papa. Termino com um extrato desta: ‘assim se conclui a Assembleia Sinodal. Nesta ‘conversação do Espírito’, pudemos experimentar a terna presença do Senhor e descobrir a beleza da fraternidade. Ouvimo-nos reciprocamente e sobretudo, na rica variedade das nossas histórias e sensibilidades, pusemo-nos à escuta do Espírito Santo. Hoje não vemos o fruto completo deste processo, mas podemos com clarividência olhar o horizonte que se abre diante de nós: o Senhor guiar-nos-á e ajudar-nos-á a ser Igreja mais sinodal e mais missionária, que adora a Deus e serve as mulheres e os homens do nosso tempo, saindo para levar a todos a alegria consoladora do Evangelho’.
Tony Neves,
Na Basílica de S. Pedro, em Roma