Tony Neves, em Anglona – Tursi.
Era quinta-feira e Roma tinha sol. Cheguei de Metro à Tiburtina, uma daquelas estações que junta comboio, metro e terminal de autocarros. O meu guia era a Irmã Ana Cambongo, angolana, das Filhas d’África. E a razão era óbvia: ela pertence à Congregação que assumiu a animação e a guarda do Santuário de Maria, Rainha de Anglona, em Tursi, junto ao Mar Jónio. Por isso, conhecia bem os transportes a utilizar e onde ficam as paragens. A Irmã Ana ficou no quentinho de Roma e eu rumei ao sul, numa viagem de autocarro de mais de seis horas.
O caminho – enquanto foi dia – mostrou-me o que a Itália mais tem de cativante: as velhas povoações encrostadas nos cocurutos das colinas e os vales verdejantes, mesmo num ano em que a chuva falhou muito. De quando em vez, lá ouvia uma buzinadela do motorista, a admoestar algum condutor menos rigoroso no cumprimento do código de estrada. Tirando isso, troços de estrada em obras e a chuva que chegou logo na segunda hora de viagem, tudo correu como previsto. Lá no meio do nada, na Paragem de Bivio Tursi, me esperavam duas das três Irmãs do Santuário. No meio daquela escuridão, foi bom vislumbrar rostos conhecidos e alegres, até porque fui o único viajante a sair ali e não havia vivalma nas imediações, tanto quanto se visse!
Quinze minutos de curvas e contra-curvas deram para perceber, mesmo numa noite escura, que o Santuário estava num pico de colina. Quando lá chegamos e paramos, começou a festa da recepção, momentos em que os angolanos são imbatíveis, pois acolhem sempre ao ritmo do batuque, com cânticos e danças. Ali vivem e trabalham as Irmãs Laurinda, Ester e Teresa. Como já era tarde, jantamos, rezamos e fomos descansar.
A sexta-feira acordou com sol e, depois da missa, tive direito a visita guiada à Basílica medieval do Santuário e aos espaços envolventes, cheios de oliveiras, figueiras e pinheiros. Este pico de colina tem muita história gravada nas pedras da Igreja e parque, pois o início atira-se para o séc. XI. Seria um espaço abandonado, mas recuperado por uma família em 1914, estando, desde aí, a funcionar como centro de peregrinação, com Maria, a Rainha de Anglona como titular e padroeira. As povoações mais próximas são Tursi (a cuja diocese pertence), a 10 kms e Policoro, situada junto ao Mar Jónio, a 14km.
A tarde soalheira levou-nos até ao Mar Jónio. Numa das praias de Policoro, experimentamos a frescura do vento e percebemos a força das ondas deste mar interior que separa a Itália da Croácia, da Albânia e da Grécia. Após passeio pelas areias, visitamos o centro da povoação, parando na Igreja do Buono Pastore, lá onde as Irmãs seguem um curso de italiano, oferecido por uma instituição solidária e, neste ano, frequentado por cerca de uma quarentena de migrantes.
A Oração da Tarde, apesar do frio, foi feita na Basílica do Santuário. Com o frio que faz, o povo quase não aparece. Mas hoje, só para contrariar as estatísticas, foi manhã de casa cheia, pois uma escola da região trouxe as crianças ao Santuário, enchendo-o de vida e festa. E, à tarde, esteve uma equipa a colher azeitonas, no adro da Igreja, onde há dezenas de oliveiras carregadinhas, bem como no resto do largo terreno do santuário.
As três Irmãs Filhas d’África chegaram aqui há um ano, vindas do Huambo. Cuidam do Santuário e acolhem os peregrinos. Contaram-me que, em Maio, a imagem da Padroeira é levada, em Procissão, do Santuário até à Catedral de Tursi e por lá fica um mês, regressando novamente em Procissão. Mas – segundo partilham as Irmãs – o momento alto da vida do Santuário é a festa patronal a 8 de setembro. Desde Agosto que milhares de pessoas se vão dirigindo ali para honrar a Padroeira e lhe tocar no manto. A afluência enorme de peregrinos prolonga-se por todo o mês de setembro. Depois, chegam as chuvas e o frio e o povo não aparece mais até vir a primavera, – exceção feita nos domingos – ficando as Irmãs muito isoladas, mas felizes pela missão a cumprir e sempre criativas nos muitos afazeres que um santuário obriga.
Domingo, Cristo-Rei, foi dia mais concorrido porque a Eucaristia, presidida pelo Reitor do Santuário, o Vigário-Geral da Diocese, incluiu a celebração de um batismo. Regressei nessa tarde a Roma e, pelo caminho, fui olhando e vendo a quantidade de torres de Igrejas que povoam aldeias, vilas e cidades, sinais de uma fé que levava as populações a construir pontes entre Deus e os humanos.
Tony Neves, em Anglona – Tursi.