Tony Neves, em Assis
Assis enche-me sempre as medidas da alma. Já lá fui várias vezes e aí voltarei sempre que puder. Para mim, esta colina nunca é lugar de turismo, mas de peregrinação. É verdade que a paisagem é de cortar a respiração, pois é belo aquele extenso e fértil vale que enche hoje os nossos olhos de beleza como encheu os celeiros nos tempos de Francisco e Clara. A enorme e plural família franciscana (e o mundo inteiro!) inspiram-se na vida e missão destes dois santos, profetas do seu tempo e de todos os tempos e lugares. Assis é uma nascente de fé, fraternidade e cultura, onde somos fascinados pela extraordinária arquitetura, bem como pelos belos frescos de Giotto e outros nomes grandes da História da Arte.
Sempre que regresso a Assis sinto que carrego as baterias e reforço na minha vida os valores evangélicos em que Clara e Francisco apostaram: a Fé, a Missão, a simplicidade de vida, a opção pelos mais pobres e a fraternidade. As suas histórias pessoais são conhecidas, bem como o impacto das suas intuições e intervenções.
Este regresso a Assis aconteceu no âmbito do Encontro dos Novos Superiores Maiores Espiritanos, vindos dos cinco continentes. O P. Albert Assamba, conselheiro geral, na homilia da Missa, evocou a memória de vários acontecimentos. Disse: ‘Todos os anos, desde 27 de outubro de 1986, data da realização do primeiro encontro por iniciativa do Papa João Paulo II, representantes de todas as religiões do mundo rezam lado a lado pela paz em nome de São Francisco, o profeta da paz, no evento conhecido como ‘Encontros de Assis’. A 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa e tomou o nome de Francisco, em referência a Francisco de Assis. Foi aqui, a 3 de outubro de 2020, que o Papa Francisco assinou uma das suas principais encíclicas, ‘Fratelli Tutti’, sobre a fraternidade e a amizade social. A encíclica ‘Laudato Si’ e a exortação apostólica ‘Laudate Deum’ são ambas inspiradas em São Francisco. O que é que todos estes peregrinos procuram em Assis? Todos eles são atraídos pela espiritualidade de Francisco, que eu resumo em três pontos principais: – Um modelo de radicalidade evangélica que parece inatingível hoje; – A sua capacidade de se maravilhar com o amor infinito do Pai e com a criação; – Francisco procurou reparar a Igreja através da fraternidade, da humildade, da alegria, da sua maneira de se fazer o último de todos, imitando Cristo. Abandonou as suas ambições pessoais, as dos jovens burgueses do seu tempo, para abraçar a ambição de Deus’.
Assis obriga-me sempre a dar uma volta à cidade e a visitar quatro Igrejas. A mais importante e marcante é, como não podia deixar de ser, a Basílica de S. Francisco, com as duas enormes Igrejas sobrepostas. Claro que começo sempre por descer à cripta onde, em silêncio profundo, há uma multidão de pessoas que passam e rezam junto do túmulo do Santo. Depois, percorro as duas Basílicas onde me delicio com os fantásticos frescos que preenchem paredes e tectos, narrando a vida e a missão do ‘Pobre de Assis’. A segunda Igreja que visito é a Basílica de S. Clara. Lá encontro e rezo em frente ao Crucifixo de S. Damião, diante do qual Francisco rezava quando ouviu uma voz a dizer-lhe: ‘Vai, reconstrói a minha Igreja!’ Desço ao túmulo de S. Clara e vejo algumas peças de roupa e alfaias litúrgicas usadas pelos santos. Passo sempre na Igreja de Santa Maria sopra Minerva, construída sobre o templo dedicado à deusa romana da sabedoria e das artes. Por fim, vou até à Igreja de S. Maria Maior, onde se encontra o túmulo de Carlo Acutis (1991-2006), o jovem que foi beatificado na Basílica de S. Francisco em 2020 e será canonizado em Roma durante o Jubileu de 2025.
Os Líderes Espiritanos que acompanhei a Assis vieram fazer esta peregrinação nos passos do nosso segundo fundador, o P. Francisco Libermann que, quando queria ver aprovada por Roma a sua ‘Obra dos Negros’, com o objetivo de libertar escravos e evangelizar a África, decidiu ir a pé até Loreto e Assis.
O nosso regresso a Roma (tal como a ida) foi complicado, dadas as longas e demoradas filas de trânsito, devidas às muitas obras em curso como preparação para o Jubileu 2025. Veio, durante a viagem, ter-me aos olhos um texto de Cristina Inogès-Sanz, uma leiga teóloga espanhola, que me evocou o espírito de Assis: ‘Agora é o tempo de discernir a Igreja que temos e não queremos, a Igreja que temos e queremos e a Igreja que queremos e ainda não temos’.
Que Clara, Francisco e Carlo Acutis nos inspirem e indiquem à Igreja e ao resto do mundo os caminhos que levam ao coração de Deus.
Tony Neves, em Assis