Tony Neves, em Roma
O papa Francisco foi eleito a 13 de março de 2013. Celebramos 12 anos de inspiração, cheios rasgo, simplicidade, conversão, sinodalidade e missão. Publicou recentemente a sua autobiografia, o que acontece pela primeira vez na história de um Papa. ‘Esperança’ foi o título escolhido. O projeto deste livro arrancou em 2019, pois nasceu de longas conversas com o editor Carlo Musso, que completou a informação com numerosas leituras. Esta obra é distribuída por 25 curtos capítulos, todos eles com um título desafiante, para despertar, provocar e incentivar os leitores. Lê-se num fôlego!
Esta longa história de vida começa com os avós paternos e o pai do Papa que deixam a Itália e, numa viagem longa e arriscada de barco, atravessam o Atlântico para chegar à Argentina. A Europa foi fragilizada, durante a primeira metade do século XX, pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Houve grandes surtos migratórios, muitas mortes, pobreza generalizada. Nas histórias sofridas dos avós e pais do Papa percebe-se porque Francisco tem particular atração pelas periferias, pede portas abertas aos migrantes, quer pontes em vez de muros e qualifica a guerra como derrota da humanidade. Estes temas percorrem todo o livro. O Papa fala de ‘uma irracionalidade criminosa’: ‘demasiados órfãos, demasiadas viúvas, demasiados deslocados e demasiados escombros’. São hoje 59 os focos de violência ferozes, a tal ‘3ª Guerra Mundial em pedaços’. Insiste na urgência de pôr fim às guerras entre Rússia e Ucrânia, entre Israel e Palestina… Cita os temas da Via Sacra no Coliseu de Roma e, por fim, sugere a troca da produção de armas por alimentos.
O Papa fala sempre com muita ternura da sua família, sobretudo dos pais e dos cinco irmãos que eles geraram e educaram na fé. O texto é vivo, corrido, descendo a pormenores relativos à infância e juventude, desvelando gostos culturais e desportivos (sempre a apoiar o grande clube do seu bairro popular, o San Lorenzo!). Colecionava selos, gostava muito de ler e de música clássica. Foi interno num colégio Salesiano, uma escola de vida. Trabalhou nas férias. Estudou Indústria Química numa Escola Técnica, onde ganhou amigos para sempre. Não fazia férias fora de casa (tradição que manteve até agora). Finalmente, entrou nos Jesuítas e, desde muito cedo, acompanha a política que, em muitos momentos da história da Argentina, é marcada pela violação frontal dos direitos humanos, responsável por assassinatos e torturas, sobretudo nos tempos de ditadura. Também ali se sente nascer um grande defensor dos valores da doutrina social da Igreja.
Contra a vontade da mãe, não iria para a faculdade de medicina, mas entrou no seminário diocesano. Esteve às portas da morte, durante um surto de gripe asiática. Depois, removeram-lhe ‘o lobo superior do pulmão direito’. Acabou por entrar nos jesuítas por causa da vida em comunidade. Convencido de que ‘ninguém se salva sozinho (nem mesmo um Sumo Pontífice!)’, viria a optar, depois de eleito Papa, por viver na Casa de Santa Marta, junto com outras pessoas, e não sozinho no Palácio Apostólico. Os Jesuítas atraíram-no pela ‘comunidade, o carácter missionário e a disciplina’.
Estudou na Argentina e no Chile, país que ele recordaria mais tarde, pois ali aconteceram graves abusos de menores, contra os quais o Papa luta implacavelmente. As bombas atómicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki ‘obrigam-no’ a uma visita como Papa ao Japão, para mais uma condenação radical da guerra. Evoca o Concílio Vaticano II, as intervenções de Luther King, a ida à Lua…e a sua Ordenação de Padre em 1969. Seria eleito Provincial dos Jesuítas em 1973, com apenas 36 anos! Depois seria bispo, Cardeal e, a 13 de março de 2013, Papa! É emocionante a narrativa que faz dos tempos de conclave em que ultrapassou os 77 votos necessários para ser eleito, dos 115 cardeais votantes. E o nome ‘Francisco’ foi-lhe sugerido pelo pedido do Cardeal Hummes em plena Capela Sistina: ‘Não te esqueças dos pobres!’. Foi à varanda da Basílica, foi jantar com os cardeais e, quando lhe pediram um brinde, levantou o copo e disse: ‘Que Deus vos perdoe!’. No dia seguinte foi a Santa Maria Maior confiar o pontificado à Mãe e de lá seguiu para a Residência Paulo VI, a fim de pagar a estadia! Decidiu não ficar a morar no apartamento pontifício, mas no quarto 201 da Casa S. Marta. Será sepultado em S. Maria Maior…
Esta autobiografia oferece uma riqueza ímpar, é um poço sem fundo. Por isso, continuaremos a partilha na próxima semana.
Parabéns ao Papa Francisco por estes 12 anos a inspirar e a marcar a Igreja e o mundo.
Tony Neves, em Roma
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