Paulo Rocha, Agência ECCLESIA
No dia do funeral de Alfredo Bruto da Costa, o padre Vitor Feytor Pinto recordou uma conversa com o antigo presidente da Comissão Justiça e Paz. Um domingo, após uma homilia onde o tema principal da pregação fora o “amor” como marca essencial do cristão e da proposta de vida de acordo com o Evangelho, Bruto da Costa dirigiu-se ao seu pároco no fim da missa para lhe dizer: “Bem-haja pelo entusiasmo com que fala do amor. Mas e a justiça…? Não esqueça a justiça entre os povos!”.
Alfredo Bruto da Costa tinha a convicção de que a justiça social é o fundamento para a convivência entre povos, o desenvolvimento das pessoas e dos grupos e, quando concretizada em plenitude, é a expressão por excelência do amor enquanto doação a causas e sobretudo a pessoas. E permite a realização do sonho que perseguiu em toda a sua vida: a possibilidade da erradicação da pobreza. Nas ocupações de liderança e sobretudo no seu quotidiano, esse horizonte determinou pronunciamentos, denúncias, estudos, decisões, documentos e sobretudo gestos, modos de ser, de estar com o outro, de construir lugares marcados pela igualdade, mesmo essa possibilidade para todos seja vítima de desistências coletivas que facilmente a arrolam numa “utopia”.
Há 500 anos, Tomás Moro mapeou essa ilha ideal na sua ‘Utopia’. Depois, geração após geração quis descobrir e transformar esse não-lugar em lugar dos humanos, seguindo as coordenadas de relação entre pessoas e grupos propostas pelo estadista inglês. Porque todos queremos um mundo melhor!
Hoje, em cada dia, o não-lugar que se persegue parece estar cada vez entre escombros de lugares de morte, perseguição arbitrária, chacinas por causa da cultura ou da religião. Nestes dias, a apresentação do Relatório da Liberdade Religiosa no mundo, que a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre publica periodicamente, documenta perseguições por causa de convicções crentes ou por pertença a confissões religiosas que quase rotineiramente têm por consequência a morte. Os relatos desses ambientes chegam até às sociedades ocidentais com realismo e afetam sensibilidades de quem olha, à distância. O que é muito pouco. À ajuda necessária a esses povos há que juntar mudanças de paradigmas de vida, de atitudes e comportamentos.
Entre uma ilha onde tudo é perfeito e a barbárie numa região que abate pessoas indiscriminadamente tem de haver uma terceira via! O realismo de um quotidiano de morte, de lugares cada vez mais próximos, pode dar lugar a lugares de vida, de justiça e de igualdade quando a transformação em causa começar no redor de cada eu e das suas circunstâncias.
E por aí é que vamos… Quando o mundo parece rotulado por lugares de morte e de escombros há de ser a determinação de cada mulher e de cada homem, o comportamento do momento a tornar possível que a utopia não seja um não-lugar, mas um lugar.
Paulo Rocha