Em tempo de férias, os livros são a companhia ideal. Cabem em qualquer bagagem, são uma ocupação para os dias e um convite à reflexão, à criatividade que pode levar o leitor a novas experiências. O programa Ecclesia falou com Maria Teresa Gonzalez, uma escritora muito conhecida entre o público juvenil, sobre o gostos pela leitura e pelos livros. Ecclesia -Tem noção que as pessoas não lêem ou não gostam de ler? MTG – Sobre os jovens não me queixo. O facto de há quase 20 anos, todas as semanas me deslocar a uma escola que trabalhou um livro que escrevi, faz-me pensar que se lê muito mais do que aquilo que as pessoas na realidade dizem. Há de facto pessoa que lêem pouco, ouras que ainda não adquiriam o gosto pela leitura, um gosto que deve ser adquirido logo na infância. De qualquer forma, não estou pessimista em relação a esta matéria, sobretudo em relação aos jovens. Há jovens que lêem muito, que se interessam pelos livros e essa é a razão pela qual continuo a escrever ao ritmo que escrevo. Ecclesia – Como foi para si a descoberta do prazer de ler e de escrever? MTG – O prazer da leitura de histórias vem do contacto com o meu pai. O meu pai era um grande contador de histórias que incutiu nos cinco filhos um gosto enorme pelos livros. Diariamente contava-nos historias ou um excerto de um livro de aventuras. O gosto vem daí. Lembro-me de querer muito ir para a escola aprender a ler para poder ler todos os livros que estavam em minha casa. E começou a nascer em mim o gosto de contar histórias tal como o meu pai contava. Com nove anos, comecei a sentir a necessidade da escrita para os outros. Escrevia coisas para oferecer aos meus pais e à minha família. Mas sem imaginar que algum dia iria fazer disto a minha vida. Quando existe alguém da família muito próximo que tem connosco laços de afecto profundos e nos transmite esse gosto pelas histórias e pelo livro, esse gosto entra naturalmente. E isto sem sacrifício. Quando ouço comentários sobre não gostarem de ler é porque esse gosto não lhes foi incutido. Ecclesia – Recorda alguns textos que escrevia nessa altura? MTG – Normalmente eram poemas com ilustrações minhas. E é o que menos faço actualmente, embora já o tenha feito para crianças e jovens. Também gostava muito de escrever cartas. Era uma forma privilegiada de comunicar, que eu desenvolvi, especialmente quando fui, como aluna interna para um colégio, em Évora das Irmãs Doroteias. De facto aí entrei na fase epistolar e ganhei um gosto enorme pela escrita das cartas. E esse é um gosto que actualmente se perdeu. Habituei-me, quando íamos de férias, escrever cartas às pessoas da família que ficavam. Era uma forma interessante de comunicar. Eu gostava de receber e de enviar cartas. Ecclesia – Normalmente todas as crianças têm o prazer de ouvir histórias? MTG – Penso que sim. E é uma pena o facto de algumas crianças não terem essa oportunidade. Recentemente escrevi um livro que fala disso – «O Castelo dos livros» – e fala desse amor pela escrita e pelos livros. Aborda as crianças a quem nunca ninguém contou uma história. Isto é uma perda enorme. O contar história às crianças é, não só uma forma de estreitar laços, mas também de abrir os horizontes da imaginação e de aumentar o vocabulário. Ecclesia – É também uma oportunidade para também os pais lerem? MTG – Também. Porque há histórias que são interessantes para os pais. Sendo histórias infantis, não deixam de ser interessantes para os pais. Ecclesia – Este é também um dos seus públicos, os pais? MTG – Sim. Pode ser muito interessante para os pais dar as suas «achegas» no final da história, fazer as suas interpretações ou acrescentarem o que entendem. A pessoa quando lê, pode fazer do livro o seu livro, lê-lo à sua maneira, transmiti-lo à sua maneira. Ecclesia – Nas férias, também escreve ou pára de escrever? MTG – Paro de escrever, porque é algo que faço durante o ano todo, praticamente todos os dias. Se tiver uma ideia que me parece interessante, faço um apontamento à mão, mas sem preocupação. O Verão é um tempo em que leio. Leio durante o ano todo, mas habituei-me com o meu pai, ir à Feira do Livro em Lisboa, comprar os livros para o Verão. Era uma altura de grande entusiasmo comprar os livros que aguardavam pelo final das aulas para serem lidos. A descobertas dos livros foi sempre um grande prazer. E continua a ser, porque todos os anos volto à Feira ou vou a livrarias trazer os meus livros. Tenho também o privilégio de ter amigos que escrevem e me oferecem os seus livros, que eu guardo com muito carinho e para saborear nas férias. Ecclesia – Que livros nos recomenda para as férias? MTG – Começo por recomendar um livro da escritora Margarida Fonseca Santos que, recentemente, ganhou o prémio literário Manuel Teixeira Gomes. É uma novela e chama-se “O nº 11”, porque é o número de um prédio onde vivem várias pessoas que não se encontram, cujas vidas não se cruzam, até ao dia em que falta a electricidade e acontecem várias peripécias. De Maria Isabel Mendonça Soares recomendo um livro de pequenas biografias sobre grandes portugueses. Desde Garcia de Orta, Rainha Santa Isabel, Pedro Nunes, entre outros. E recomendo «Do tempo livre à libertação do tempo» que é uma reflexão muito interessante feita pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Normalmente quando se fala de tempo livre, associa-se aos jovens e às crianças, porque é preciso ocupar o seu tempo para que dê frutos. Mas também os adultos deveriam pensar assim. Refiro-me, por exemplo, à experiência de voluntariado que é tão necessária tanto às pessoas que o fazem, como às pessoas que precisam desse serviço. Lanço um apelo, não só aos jovens mas também aos adultos, que no seu tempo livre se possam inteirar sobre alguma experiência de voluntariado, no sítio onde vivem, porque é enriquecidor aproveitar o nosso tempo livre e partilhá-lo com alguém que precisa. Nos últimos sete anos fui voluntária junto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, em serviço à pessoa com deficiência profunda e com doença mental. As Irmãs e os Irmãos promovem campos de férias para jovens que queiram fazer esta experiência, de ir ao encontro do outro, que tem necessidade de atenção e afecto, mas tem muito para dar. É uma experiência possível nestas alturas de Verão. Ecclesia – Os seus trabalhos são fruto de uma experiência pessoal? MTG – Sim, até agora nunca escrevi nada que não nascesse do contacto e da minha experiência pessoal com os outros. Da experiência pessoal de voluntariado nasceu o livro «Os pés que anunciam a paz» mas também um outro, que é uma homenagem aos voluntários e também às famílias das pessoas com doença mental. Esse livro chama-se «Voa comigo». Ecclesia – Os livros significam uma evasão, mas são também a possibilidade do início de uma nova experiência… MTG – Essa é precisamente a ideia, de que os livros possam ser o início de uma reflexão, mesmo não sendo ensaios filosóficos. Devem ser um ponto de reflexão onde se começa por fazer silêncio interior e procurar descobrir o que cada um pode fazer, agora que se é enriquecido por uma ideia nova. Ecclesia – A intensidade com que escreve vem do contacto com os outros, com as histórias da vida real. Quando anda na rua percebe linhas de futuros livros? MTG – Percebo isso nos encontro com os outros. Nas escolas, no encontro com os jovens, naquilo que eles me escrevem. Os jovens têm uma necessidade grande de desabafar e os jovens encontram nos meus livros pontos de identificação. Chegam a pedir-me para escrever sobre situações que os afectam. Sinto uma grande vontade e vocação em dar resposta a essas questões que param na cabeça dos jovens e também na minha, pois escrevo para tentar entender algumas coisas que se passam na nossa vida, por vezes difíceis de compreender. Ecclesia – O público juvenil advém da sua experiência como professora? MTG – Sim. Fui durante 15 anos professora, sobretudo de língua portuguesa e vem daí, do contacto muito directo com o público juvenil, e a necessidade de escrever para eles. Tem dado bom resultado e sinto-me muito grata ao trabalho que tem sido feito nas escolas, aos professores, aos jovens que divulgam o meu trabalho junto dos colegas, que é a melhor divulgação que pode haver para um autor que escreve para jovens. Ecclesia – O seu livro «A lua de Joana» esteve em palco alguns meses. A ida ao teatro é também uma forma de ocupação do tempo e, neste caso, abordando um universo que toca muito os jovens? MTG – Gosto muito de teatro e estou muito grata às pessoas que têm feito dos meus livros, ocasiões extraordinárias de convívio e momentos muito interessantes. É um complemento fortíssimo do meu trabalho.