Entrudo é «explosão» de vidas «contidas» que resistem às imposições sociais, sublinha filósofo Paulo Pires do Vale
Ribamar, Lisboa, 21 fev 2012 (Ecclesia) – O pároco de Ribamar, distrito e diocese de Lisboa, é uma das figuras do “Carnaval português” local, não só por entrar no corso mas também porque a sua paróquia é a responsável pela organização dos festejos.
“Esta festa é muito saudável e por isso apoio-a”, afirmou o padre Joaquim Batalha ao programa ECCLESIA na Antena 1, acrescentando que a “crítica social” feita nos desfiles que fecham a avenida principal é “necessária e oportuna”.
O sacerdote de 73 anos que gosta “de brincar ao Carnaval” considera que em Ribamar “as pessoas dizem o que lhes apetece de uma forma que não é ofensiva e divertem-se”, perspetiva partilhada por Fátima Santos, da organização: “Não há exageros”.
A crítica social é uma forma de “resistir aos avanços” sentidos “como ameaças”, ao mesmo tempo que possibilita a “reconfiguração do tecido social” através da abertura de “fendas” no “horizonte” da existência humana, comentou na mesma emissão o filósofo Paulo Pires do Vale.
“A experiência de a vida surgir de forma por vezes violenta, outras vezes cómica ou mais apaziguada, mas sempre com qualquer coisa de caótico por trás”, como uma “explosão” de existências “contidas”, é um dos aspetos que o professor universitário destaca no Entrudo.
[[a,d,2903,Emissão 19-02-2012]]“No resto do ano vivemos presos a convenções”, observou o membro do grupo de trabalho do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, para quem a máscara, além de permitir a “transgressão”, é uma forma de relacionamento.
O ser humano usa “muitas máscaras, não como mentira ou fingimento mas como modo de relação com o outro, com o mundo e consigo próprio”, pelo que pôr no Carnaval “uma máscara sobre as máscaras” é como uma autorrevelação, diz Paulo Vale.
Os disfarces, alerta, podem no entanto ser uma “fuga” e provocar o efeito contrário: “As máscaras que colocamos podem afastar-nos de nós próprios ou do que podíamos ser”.
Em Ribamar, 80 km a norte de Lisboa, os grupos da povoação e redondezas – uma dúzia em 2011 – mantêm o segredo sobre as suas máscaras e “geralmente surpreendem toda a gente”, refere Leonel Santos, marido de Fátima, que a acompanha nos preparativos.
O envolvimento da paróquia no “Carnaval português” de Ribamar, como frisa a empresária, remonta a 2003, quando alguns católicos se espalharam pelas ruas com brincadeiras.
A adesão popular levou a que a espontaneidade desse lugar à organização e hoje fecha-se a avenida principal, a Junta de Freguesia da Lourinhã monta bancadas e os grupos paroquiais tratam da comida e bebida.
Nos festejos, que começaram sexta-feira com crianças e idosos, o sagrado e o profano “entendem-se” dado que “a visão cristã da vida não contemporiza com essa separação tão agressiva” entre eles que o cristianismo fez no passado, nota o padre Joaquim Batalha.
É o que acontece em Ribamar, cuja igreja, segundo o pároco, se “enche” na Quarta-feira de Cinzas para o primeiro dia da Quaresma.
Após “a alegria mais descontrolada” segue-se o “recolhimento” quaresmal em direção à Páscoa, festa de “uma alegria outra que não tem apenas o sentido do horizonte a que quotidianamente as pessoas estão habituadas”, aponta Paulo Vale.
A celebração do Carnaval esteve em destaque na emissão dominical do programa Ecclesia na rádio pública e volta hoje à Antena 1, a partir das 22h45, com testemunhos da festa em Ribamar.
PRE/RJM/OC