Lisboa: «O turismo é demais para um bairro tão pequeno» – as mudanças nas rotinas do Castelo e a procura de diálogo e integração (c/fotos)

Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior defende o «equilíbrio» e diz que turismo «tem vantagens se conseguirmos cuidar do capital mais precioso – as pessoas»

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Lisboa, 13 jun 2025 (Ecclesia) – Maria Amélia Duarte vive no Castelo há 51 anos e a memória do convívio na rua entre todos os habitantes está bem viva, num tempo em que drogaria, peixaria, padaria e a mercearia faziam parte da rotina.

“Antigamente era um bairro onde todos se davam: vinha o verão, estava tudo à porta, a conversar. Havia padarias, drogaria, peixaria, havia tudo, agora não temos nada. Se quisermos comprar alguma coisa, temos de ir ao supermercado. Ali abaixo havia um senhor com uma mercearia há 60 e tal anos – foi para lá miúdo, e tiraram-lhe a mercearia. Somos muitos mas conta-se pelos dedos os moradores que há cá, tiram-nos das nossas casas”, conta à Agência ECCLESIA.

O relato de querer retirar os moradores mais velhos do bairro do Castelo é recorrente: “Também tentaram tirar-me, só que eu bati o pé e fiquei cá. Queriam fazer alojamento local. Aqui um senhor que também está para sair, aqui ao lado uma senhora com 91 anos, que também queriam pôr fora – até fomos para o tribunal. Isto já não é bairro; antigamente sim, mas isto agora já não é bairro”.

Maria Amélia Duarte dá conta de perturbações e que os visitantes do bairro chegam a ser incómodos e a perturbar o sossego, entrando em casas que têm a porta aberta e invadindo os espaços privados dos moradores.

“O barulho incomoda. Durante o dia, não podemos sair de casa. O turismo é demais para um bairro tão pequeno”, ilustra.

Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, regista “diversos desafios” na colina da cidade mais elevada que, “respira turismo”, “imigração e acolhimento”.

O trabalho em rede com a paróquia é o caminho para “procurar o equilíbrio”, numa realidade que o responsável não identifica nem como boa nem como má mas que está a afetar “pessoas humildes”.

“A nossa preocupação, em primeiro lugar, são as pessoas que aqui estão, que resistem à massificação do turismo. A agressão sobre a habitação com o alojamento local, que foi muito desgastante para as pessoas daqui – muitas tiveram que sair, com a pressão imobiliária – mas também a imigração – também não é fácil”, explica.

O presidente da Junta de Freguesia dá conta de que o Castelo tem uma paróquia “inclusiva” com respostas “magníficas” com “lugar para todos”, “não obstante dificuldades muito sérias”.

Entidades juntam esforços para responder socialmente às fragilidades que as transformações foram imprimindo, com impactos “negativos e positivos”, sendo que o mais negativo, indica, “foi a perda de população”.

“Houve muita gente expulsa das suas casas com a implementação do alojamento local, com a anterior lei das rendas que enfraqueceu os direitos garantidos para as pessoas mais idosas. E, portanto, a partir daí, a habitação passou a ser algo que era precário, quando muitas pessoas achavam que era uma situação definitiva”, identifica.

A integração, explica Miguel Coelho, passa pelo ensino do português aos imigrantes e pelo diálogo e escuta entre entidades que nem sempre abrem esse espaço.

“Nós precisamos de mão-de-obra, aqui no território concretamente, mas em algumas partes deste território, há muita gente de imigração concentrada num espaço muito pequeno”, constata, evidenciando problemas de “segurança, intranquilidade e compreensão social”.

“Isso tem que ter respostas quer do poder político a um nível superior, mas também aas autoridades policiais e aas autoridades com outro tipo de intervenção social senão, caminharemos para situações indesejáveis que não é positivo que possam acontecer”, sublinha.

Num local onde estão “monumentos emblemáticos e culturais mais importantes da cidade”, onde a oferta cultural museológica e gastronómica coexiste, Miguel Coelho quer apontar ao “equilíbrio”.

“Desde 2014 que perdemos 30% da nossa população. E o capital mais preciso que temos são as pessoas. Os turistas não vêm para conhecer estrangeiros, mas para conviver com as pessoas de cá, procuram, autenticidade. Se nós perdermos essa autenticidade, também perdemos o próprio valor económico em função para o turismo”, denuncia.

À porta da igreja do Castelo, João Pedro, técnico de turismo cultural na Torre da igreja conta à Agência ECCLESIA que no bairro não falta vida mas que raros são os dias em que recebe portugueses para as visitas: “O bairro está cheio de gente todos os dias”.

Perante a curiosidade dos turistas, João Pedro vai explicando que a igreja é posterior ao terramoto 1755, que no bairro habitam pessoas há diversos anos, questionando a história local, ou procurando alguma exposição.

“O objetivo é as pessoas visitarem a igreja, e subirem Torre Sineira, com a possibilidade de beberem um copo de vinho ou com uma cerveja que o nosso padre, o padre Edgar, fabricou. Gera sempre alguma piada e as pessoas gostam. O padre Edgar tenta sempre dinamizar o espaço, ligado ao tema religioso, mas sempre virado para as pessoas e para a atualidade.”, indica.

A reportagem do programa 70X7 acompanha o Bairro do Castelo, na cidade de Lisboa, pode ser acompanhada no domingo pelas 17h354 na RTP2.

HM/LS

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