Lisboa lembra massacre dos Judeus

D. José Policarpo diz que a memória do passado é carregada de responsabilidades presentes e futuras Uma esfera, símbolo do mundo, que truncada, evoca a violência e o caos: “Em memória dos milhares de judeus vítimas da intolerância e do fanatismo religioso assassinados no massacre iniciado a 19 de Abril de 1506 neste largo”. O Largo é o de São Domingos, em plena Baixa da cidade de Lisboa, onde esta Terça-feira foi inaugurado um memorial evocativo da intolerância religiosa que há mais de 500 anos o povo judeu foi alvo. Hoje, mais do que evocar o passado, este memorial é símbolo do futuro. Reconciliação e tolerância formam palavras sublinhadas por todos os presentes. Numa outra escultura constituída por duas colunas e pedra unidas por uma faixa de metal estão inscritas palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa, num encontro inter-religioso “Oceanos de Paz”, que teve lugar em Lisboa em 2000. As esculturas em pedra, símbolo da intemporalidade, estão ladeadas por um muro, que escrito em dezenas de línguas diferentes, chama a atenção para “Lisboa, cidade da tolerância”. D. José Policarpo, presente na inauguração, afirma que a memória do passado é carregada de “responsabilidades presentes e futuras”. O diálogo entre estas duas comunidades religiosas pode ser encarado como “progresso da humanidade”, considera, pois “o diálogo não se circunscreve ao interno das confissões religiosas, mas diz respeito à humanidade”. O Cardeal-Patriarca não quis deixar de sublinhar que católicos e judeus são “como irmãos. Continuamos a ler a mesma Bíblia, a fazer as mesmas orações, a acreditar no Deus do mesmo projecto de aliança”. D. José Policarpo espera que este memorial seja “um alerta para o futuro e memorial da esperança”. Para o Cardeal-Patriarca, a intolerância que o memorial evoca não está ausente da sociedade. “Devemos estar contentes pela civilização do ocidente ter vencido e ultrapassado expressões tão violentas e primárias, mas elas existem no mundo de hoje, por vários motivos, entre os quais religiosos. O Patriarcado de Lisboa assume a formação da fé, onde se inclui a abertura à diferença e ao diálogo inter religioso. Lisboa é cada vez mais uma cidade multicultural, o que constitui um desafio para a Igreja católica. “Se motivada por pressões políticas e condicionalismos sociais a Igreja se afirmou num monolitismo cultural, perdeu com isso”, assume o Cardeal-Patriarca, para quem “a Igreja católica deve ser uma afirmação do universalismo”. Jose Oulman Bensaúde Carp, Presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, confessa que há muitos anos a comunidade esperava este momento: “É a primeira vez que há uma manifestação da nossa presença e nossa história que marcou e contribuiu para a história nacional”. O memorial é também uma prova do existente diálogo inter-religioso. O Presidente da Comunidade Israelita de Lisboa afirma que este dialogo não se deve restringe aos intelectuais. Com o memorial “o diálogo saiu à rua”. Museu judaico Jose Oulman Bensaúde Carp lembra que Lisboa é a única capital europeia que ainda não tem um museu judaico. Uma situação que em breve vai ser alterada. António Costa, Presidente da autarquia adianta à Agência ECCLESIA que este espaço foi já encontrado. A freguesia de Alfama vai acolher o futuro Museu Judaico. O edifício será ainda objecto de restauro, mas os esforços já desenvolvidos indicam que “ambas as partes estão em acordo”. Esta poderá ser uma de outras iniciativas que a autarquia da capital está a desenvolver com outras confissões religiosas. Os vestígios do bairro islâmico são outro exemplo de futura cooperação entre autarquia e comunidades religiosas. António Costa sublinha Lisboa como a cidade da tolerância. O memorial, mais do que evocar uma tragédia, expressa o “perdão e reconciliação” e devem também “inspirar para futuras atitudes a tomar perante outros fanatismos e fundamentalismos”. Em nome da história, “é preciso lembrar que os fanatismos não terminaram e por isso a tolerância tem de ser construída todos os dias, não só a religiosa mas em relação a todas as diferentes formas de vida, isto é decisivo para viver em sociedade”, lembra o Presidente da autarquia. A vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, Ester Muznick afirma que o Memorial não serve para alimentar ressentimentos históricos, mas nasce de uma relação solidária e fraterna com a Igreja católica. Este é um memorial “virado para o futuro, não para o passado”, mostrando que memória e reconciliação são construtores de “um futuro de convivência pacífica”, onde a religião é parte integrante da sociedade. Ester Muznick afirma que as religiões não podem ser exiladas do espaço público. Se o debate social envolve questões culturais e políticas, “com a mesma legitimidade as religiões devem dar o seu ponto de vista, tal como os políticos e os partidos, pois a prática religiosa faz também parte do exercício da cidadania”. “O Estado laico e neutro religiosamente e a participação das religiões no debate público são parcelas distintas, logo não há motivo porque as Igrejas não possam debater também várias questões sociais e da vida quotidiana”, assume. Mário Soares, Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa afirma que este é um memorial didáctico que integra a cultura cívica e cultiva a não violência e a paz, indispensável a qualquer país civilizado. O memorial significa “um passo a favor da tolerância entre diferentes religiões e a caminho da paz”. Soares assume que os esforços para o diálogo têm sido desenvolvidos, com esforço de todas as Igrejas, pois todas elas têm de dar um contributo para a paz no mundo.

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Agência ECCLESIA

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