Primeiro encontro da iniciativa «Escutar a Cidade» abordou «Identidades, comportamentos e modos de vida»
Lisboa, 19 jan 2015 (Ecclesia) – O primeiro encontro da iniciativa «Escutar a Cidade» deixou reptos para que a Igreja católica combata uma “cultura frívola” e “despolitizada” e que seja promotora de “pensamento e reflexão”.
“A Igreja tem de ser forçosamente cultural ou não tem uma tarefa a desempenhar”, afirmou à Agência ECCLESIA o jornalista e critico literário António Guerreiro, um dos intervenientes no primeiro encontro da iniciativa organizada por um grupo de católicos, no âmbito do Sínodo diocesano de Lisboa, com o objetivo de ouvir não crentes sobre que papel tem a Igreja católica a desempenhar na cidade.
Na sua intervenção o jornalista criticou a “falta de futuro” que hoje se vive, numa sociedade onde a “precariedade se tornou uma forma de existência”, onde a política é um “controle de efeitos” e a crise “uma forma de governação”.
“Sem fé ou crença não é possível um futuro”, considerou o crítico literário assumindo-se não crente.
Numa sociedade onde o investimento é feito para “reduzir trabalhadores”, António Guerreiro pediu que a Igreja contrarie esta tendência.
“A Igreja católica sabe o que é o lazer, o ócio, a contemplação. Deve assumir isso e contrariar esta tendência”.
Também a psicóloga social Benedita Monteiro gostaria de ver a Igreja católica unir-se a outras vozes em torno de causas comuns.
“À semelhança do que aconteceu no pós-guerra, com a ONU, onde países muito diferentes se juntaram; a Unicef fez isso com as crianças, a Unesco com o património cultural: não quiseram saber se eram católicos ou protestantes. Alguém pode ter a iniciativa para identificar o problema e convocar outros a contribuir para a solução”, declarou à Agência ECCLESIA.
A psicóloga social recordou momentos de uma militância católica na sua juventude, a par de um combate contra a política salazarista, que a levou a receber dois avisos da Igreja católica na altura: «Dado o seu envolvimento em atividades de natureza política condenadas pela Igreja, deve fazer a sua opção (…)».
Cinco décadas separam as juventudes que Benedita Monteiro analisou, destacando que hoje as gerações “enfrentam novos desafios, com novos enquadramentos, nomeadamente o da liberdade”, mas com “alguns” valores já desaparecidos.
“Envelhecimento da população e emigração são uma ameaça à coesão social”, diagnosticou a psicóloga social que repetiu no final a sua apreensão inicial: «A minha grande preocupação é o silêncio das pessoas sensatas».
O professor universitário José Machado Pais centrou a sua intervenção na solidão, na quebra de laços que muitos idosos conhecem na vivência urbana, focando exemplos de pessoas encontradas mortas anos depois, sem qualquer contacto familiar e que a comunicação social deu a conhecer.
“Se a pessoa deixou de ter significado para os outros morre de solidão. Hoje morrer em casa começa a significar morrer em solidão”.
Sem desafiar de forma direta a Igreja, José Machado Pais considerou que a forma de combater a solidão passa por “predisposições individuais e disposições sociais”.
“Para além de promotora de sociabilidade, a cidade é também geradora de exclusão social”, afirmou o professor na sua intervenção recordando a amizade com um sem-abrigo que o ensinou que a solidão “é um desencontro com outros e connosco próprios”.
“A marginalidade é produzida a partir do centro”.
O segundo encontro da iniciativa «Escutar a Cidade» está marcado para 12 de fevereiro e conta com o jornalista João Pacheco, o docente universitário Viriato Soromenho-Marques, da ex-deputada e socióloga Ana Drago e da deputada socialista e presidente da Junta de Benfica Inês Drummond, que se vão centrar no tema «Política, participação e democracia».
LS