Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação convida a «estender o olhar para lá do imediatismo»
Lisboa, 15 set 2023 (Ecclesia) – O cardeal Tolentino Mendonça evocou hoje, em Lisboa, a importância da figura de São Vicente (séc. III-IV), padroeiro da cidade, falando na abertura das celebrações dos 850 anos da chegada a Lisboa das relíquias do diácono e mártir.
“Um acontecimento, como o que aqui se evoca, desafia-nos a assumir o risco de estender o olhar para lá do imediatismo e confrontar-nos com aquilo de que somos herdeiros”, disse o prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação (Santa Sé), numa conferência intitulada ‘São Vicente, uma herança para a Lisboa do futuro’, que decorreu na sala do arquivo dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa (CML).
O colaborador do Papa considerou que a chegada das relíquias de São Vicente, em 1173, simbolizou a “cristianização definitiva da cidade”, oferecendo-lhe um “sustento espiritual e ético”.
“Para quem se inscreve na tradição cristã, a história e os símbolos são cruciais”, indicou o cardeal e poeta, antes de afirmar que a relíquia representa “um modo novo de olhar a vida e a morte, uma ética da existência”.
“São Vicente foi trasladado para Lisboa para apoiar os cidadãos nesta última conquista, a construção de uma fortaleza de alma, que nos ajude na fidelidade aos próprios sonhos e no sonho de Deus para a humanidade”, prosseguiu.
A chegada das relíquias, indicou D. José Tolentino Mendonça, colocou Lisboa “no mapa das grandes cidades europeias”, face ao reconhecimento internacional do mártir, nas comunidades católicas.
O responsável católico aludiu à necessidade de “mediadores” entre gerações, que “passem o testemunho”, falando numa “crise de transmissão”.
“Diálogo, inclusão, negociação, coesão são também declinação de uma herança com 850 anos”, observou.
A intervenção citou o discurso proferido pelo Papa no Centro Cultural de Belém, a 2 de agosto, no qual falou de Lisboa como “cidade do encontro”, “cidade do Oceano”, “capital mais ocidental da Europa” e “capital do futuro”.
“Se olharmos com atenção, o símbolo de Lisboa não faz dela uma capital do passado, mas uma protagonista do futuro”, disse D. José Tolentino Mendonça.
O colaborador do Papa evocou “todas as formas de martírio”, que afetam a humanidade, convidando a aplicar, hoje, o “amplo património espiritual e social” da herança de São Vicente, como “transladadores de futuro”.
Aquela nau transporta, através do oceano, um estranho que nós acolhemos, mostrando que a nossa identidade não se constrói na lógica da indiferença ao outro, mas na abertura, na hospitalidade e no diálogo”.
Na abertura da conferência, Carlos Moedas, presidente da CML, sublinhou que o brasão da cidade ostenta as insígnias de São Vicente – o barco e os corvos -, falando da viagem das relíquias do mártir como símbolo das “raízes da Lisboa portuguesa”.
“Estes 850 anos levam-nos a pensar sobre o que é uma cidade”, assinalou o autarca, que destacou o sentido de “comunidade” e “partilha”, na memória de “eventos comuns”.
A cerimónia contou com a presença de responsáveis católicos e da CML, incluindo o novo patriarca, D. Rui Valério, além do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
O Patriarcado de Lisboa iniciou esta sexta-feira a celebração do ano jubilar, que decorre até 16 de setembro de 2024.
Em representação do Cabido da Sé, o cónego José Manuel Santos Ferreira agradeceu a presença do cardeal Tolentino Mendonça e o empenho da CML nesta cerimónia.
“Lisboa não pode esquecer São Vicente, para não esquecer a sua história”, sustentou.
Vicente, um jovem diácono da Igreja de Saragoça, morreu mártir em Valência, Espanha, no ano de 304, durante a perseguição aos cristãos ordenada pelo imperador Diocleciano.
D. Rui Valério disse aos jornalistas que este ano jubilar vai mobilizar o Patriarcado, no rescaldo da JMJ, como “projeto de missão”.
“É um momento a assinalar, também por esta acutilância que nos traz, no sentido de os jovens de hoje – como para os de outrora – verem em São Vicente um companheiro de viagem, um desafio a ir, a sair”, observou o patriarca de Lisboa.
Hélia Silva, da Direção Municipal de Cultura da CML, assinalou o entusiasmo de todos os envolvidos no programa de comemorações, pensado para “a família toda”.
“Eu acho que a maior parte das pessoas não sabe que muitas igrejas têm imagens de São Vicente”, relata a responsável.
OC
Segundo Prudêncio, um poeta cristão da Antiguidade, os restos mortais de Vicente foram mandados lançar aos pântanos, fora dos muros da cidade, para que fossem devorados por animais, mas os seus restos foram protegidos por corvos, que impediram a profanação do corpo.
A tentativa de recuperação do corpo foi ordenada por D. Afonso Henriques, que mandou construir o Mosteiro de São Vicente de Fora em 1147, no cumprimento de um voto dirigido a São Vicente pelo sucesso da conquista de Lisboa aos mouros. O corpo do mártir chega a Lisboa no dia 15 de setembro de 1173 e é depositado em Santa Justa; no dia seguinte é trasladado para o altar-mor da Sé e do Algarve chega tudo o que pertencia ao mártir. Relíquias de São Vicente são ainda custodiadas na Sé de Lisboa e a sua festa é assinalada anualmente a 22 de janeiro. |