Atentados de Domingo abalaram uma das mais antigas Igrejas cristãs de todo o mundo O Patriarca Caldeu Emmanuel Delly, líder da mais importante comunidade cristã do Iraque, apelou hoje à união entre cristãos e muçulmanos no país, na sequência de uma série de atentados contra Igrejas cristãs que fizeram, pelo menos, 10 mortos e 50 feridos. “Devemos colaborar, cristãos e muçulmanos, para o bem do Iraque, porque somos uma única família”, declarou o prelado à AFP. Os cristãos procuram assim que os atentados abram mais um foco de desestabilização no país, tornando o conflito numa guerra religiosa. Uma série de explosões coordenadas abalou ontem quatro igrejas em Bagdad e uma em Mossul (norte do Iraque), causando pelo menos dois mortos e 60 feridos nos primeiros ataques, desde Março de 2003, contra a minoria cristã do país. Em Bagdad, duas viaturas armadilhadas explodiram com uma diferença de minutos perto de duas igrejas cristãs, onde decorriam serviços religiosos, no bairro de Karada, ferindo pelo menos 20 pessoas, informaram testemunhas no local. As únicas vítimas mortais confirmadas são os condutores das viaturas armadilhadas, referiram as testemunhas. A primeira explosão ocorreu no exterior de uma igreja cristã arménia 15 minutos depois do início da missa. A segunda explosão registou-se no exterior de uma igreja católica de rito sírio situada a 200 metros da igreja arménia. As duas outras explosões na capital iraquiana registaram-se junto a uma igreja e a um convento do rito católico caldeu. Quase à mesma hora, no centro da cidade de Mossul, duas viaturas armadilhadas explodiram frente à igreja Mar Polis, no bairro de Al-Mohandessine. O Vaticano condenou os atentados “muito preocupantes”, por serem sinal de uma “intenção de aumentar a tensão”. “É terrível e muito preocupante, porque é a primeira vez que os locais de culto cristão são tomados como alvos no Iraque”, declarou o padre Ciro Benedettini, director adjunto da Sala de Imprensa da Santa Sé. Cristãos no Iraque A população cristã no Iraque, com perto de 750 mil pessoas, tem manifestado preocupação com o crescente fundamentalismo islâmico e algumas pessoas têm fugido para os países vizinhos até que a situação política e de segurança mostre sinais de tranquilidade. “Os cristãos não querem a guerra e o conflito no Iraque nunca poderá ser entendido como um confronto de religiões”. As palavras são clara e pertencem ao D. Jean Benjamin Sleiman, Arcebispo de Rito Latino, de Bagdade. A maioria dos cristãos no país são católicos de rito caldeu: n mesmo local onde nasceu Abraão há uma Igreja autónoma, em comunhão com Roma, possuidora de ritos litúrgicos próprios: a Igreja Patriarcal Católica Caldeia tem cerca de um milhão de fiéis em todo o mundo e perto de metade desses fiéis encontra-se no Iraque, onde está a sede do Patriarcado dos caldeus. A Igreja Caldeia é uma das mais respeitadas e livres do mundo árabe. Sendo uma minoria neste país (3%) a importância histórica e sentimental destas comunidades que ainda hoje celebram em aramaico, a língua de Jesus, nunca foi menosprezada. O Apóstolo Tomé, antes de seguir o seu caminho até à Índia, terá deixado na região dois discípulos, Mar Addai e Mar Mari. Da sua pregação nasceu uma Igreja que, nos primeiros séculos do cristianismo, demonstrou uma enorme vitalidade e se espalhou nas regiões que hoje são a Síria, o Irão e o Iraque. Estas comunidades representam umas das mais antigas comunidades cristãs do Oriente, remontando ao século II. As suas raízes cristãs são testemunhadas por mosteiros e conventos nos séculos V e VI. Esta Igreja, chamada Igreja Assíria do Oriente, obteve a autonomia no concílio de Markbata, em 492, com a possibilidade de eleger um Patriarca com o título de “Católico”. O fulgor inicial foi-se desvanecendo e já no século XV confronta-se com uma grave crise, originada por uma sucessão hereditária de Patriarcas, como se de uma monarquia se tratasse. A reacção a este estado de coisas levou a que um grupo de Bispos Sírios se empenhasse na recuperação da tradição monástica oriental, elegendo o monge Yuhannan Sulaka como seu Patriarca e enviando-o a Roma para pedir o reconhecimento do Papa. Foi assim que, em 1553, o Papa Júlio III nomeou o “Patriarca dos Caldeus” e deu origem, oficialmente, à Igreja Caldeia. Durante mais de 200 anos existiram tensões nesta zona entre as comunidades a favor ou contra o reconhecimento da universalidade da Igreja de Roma e a situação só estabilizou quando em 1830 o Papa Pio VIII nomeou o “Patriarca da Babilónia dos Caldeus” como chefe de todos os católicos caldeus. A sede deste Patriarcado era Mosul, no norte do Iraque, e seria transferida para Bagdad em 1950, após a II Guerra Mundial. O rito caldeu Um rito é um modo específico de adorar Deus no contexto de determinado povo, uma maneira particular e coerente de chegar até Deus. O rito Caldeu é um dos 5 principais ritos do cristianismo oriental e desenvolveu-se entre os séculos IV e VII, antes da conquista árabe. A denominação de “caldeu” prevalece no Ocidente desde o séc. XVII, embora os habitantes da região prefiram a designação “siro-oriental”. As celebrações conservam o uso do aramaico e possuem gestos, espaços e ritmos muito especiais, que remontam ao tempo dos primeiros apóstolos, em alguns casos. Escutar a Palavra de Deus, celebrar o mistério do Corpo e Sangue de Jesus e participar no banquete do pão e do vinho são as traves-mestras da celebração eucarística. A Palavra é proclamada desde o “bema”, uma tribuna situada no meio da Igreja, como sinal de Jerusalém, centro do mundo, onde Jesus ensinou. Este simbolismo indica que o leitor ou o pregador mais não fazem do que transmitir a Palavra recebida do Senhor. A consagração eucarística, chamada “santificação” tem lugar no “santo dos santos”, símbolo do céu, e a comunhão desenrola-se no “gestroma”, um local entre a assembleia e o santuário, como sinal do paraíso.