Lições de uma eleição pouco europeia

Uma vez mais, a abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu superou a registada há cinco anos. Desde 1979, quando os deputados europeus começaram a ser eleitos por sufrágio directo e universal, as eleições para o PE revelam sucessivas e crescentes taxas de abstenção. Isto, paradoxalmente, tendo os poderes do PE entretanto sido aumentando.

É tempo de encarar esta realidade, que não é conjuntural – é de fundo. Se os cidadãos se desinteressam pelo PE, apesar de todos os esforços de divulgação da importância da instituição, então resta concluir não ser esta a melhor via para promover a democraticidade das instituições comunitárias.

Uma outra solução para aproximar os cidadãos dessas instituições será envolver mais os parlamentos nacionais no processo comunitário de decisão. Quando presidente da Assembleia da República, o Dr. Mota Amaral bateu-se por uma mais forte participação dos parlamentos nacionais na vida da União Europeia. O Tratado de Lisboa dá um passo nesse sentido, ainda tímido (e resta saber se este Tratado algum irá entrar em vigor).

Seja como for, parece absurdo insistir numa solução que ao longo de trinta anos se revelou não atrair os cidadãos europeus. A Europa não se pode construir à revelia das pessoas. Quando se ignora essa evidência, apanham-se surpresas desagradáveis – como as trazidas por referendos em França, na Holanda, na Irlanda…

Como o PE interessa pouco às pessoas, nas eleições europeias – por cá como nos outros países da União – debatem-se sobretudo temas de política nacional. Pela primeira vez o PS cedeu face ao descontentamento. Que este era grande, sabia-se há anos. Mas o PS aparecia sempre à frente do PSD nas sondagens. Agora, abre-se a possibilidade de o PSD vir a disputar o primeiro lugar nas legislativas, em Setembro/Outubro. Manuela Ferreira Leite reforçou a sua posição como líder do partido e este ganhou um excelente político: Paulo Rangel. Em contrapartida, à esquerda o Bloco e o PC somados ultrapassam os 21%, mostrando que o PS perdeu votos para a direita e para a esquerda. Não é corrente na Europa um tal peso da extrema-esquerda. Note-se, ainda, que os votos brancos e nulos representaram nesta eleição quase 7% – um eloquente voto de protesto contra o PS.

Entre os pequenos partidos, destaque para o resultado obtido por um estreante, o Movimento Esperança Portugal: perto de 53 mil votos, 1,5% do total. Sabendo-se como é difícil criar partidos novos, esta votação no MEP mostra que, apesar de tudo, o sistema partidário português não está completamente fechado.

Uma palavra sobre as sondagens: falharam em toda a linha. Raras foram as que previram que o PSD ficasse à frente nas europeias. Também aí há um défice de credibilidade que seria saudável eliminar.

A nível europeu os partidos de centro-direita reforçaram as suas posições, enquanto os socialistas perderam votos. Assim, Durão Barroso tem a via desimpedida para um novo mandato à frente da Comissão Europeia. Mas é curioso que o centro-esquerda desça em plena crise do chamado neo-liberalismo, quando toda a gente está contra a sacralização do mercado e se reclama a intervenção do Estado para salvar empresas.

 

Francisco Sarsfield Cabral

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