Liberdade de aprender e ensinar

Guilherme d’Oliveira Martins

A Constituição Portuguesa reconhece não só o direito de aprender e ensinar, mas também o direito à fundação de escolas particulares e cooperativas. Assim, a liberdade de ensino constitui um direito pessoal de todos aplicável universalmente em toda a rede de educação e formação, que assim se constitui em “rede de serviço público de educação”. Serviço público não se confunde com “serviço estatal”, havendo obrigações comuns para o Estado e para a iniciativa particular e cooperativa – em especial ligadas ao desenvolvimento de uma sociedade democrática, baseada na dignidade da pessoa humana, na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política e no respeito e garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.

A “liberdade de aprender e ensinar” exige que o Estado não tenha o monopólio do “serviço público de educação”, sem prejuízo de ter especiais responsabilidades, designadamente quanto à concretização da “educação para todos”. A questão não é meramente nominalista, mas substantiva. Se a iniciativa privada e a liberdade de acção estão consagradas como regra na vida económica e social, não faria sentido uma interpretação limitativa sobre o papel da iniciativa particular no campo da Educação. Nas “especiais responsabilidades” do Estado está a obrigação de criar uma rede educativa, de proceder ao seu financiamento adequado e de assegurar as tarefas previstas no artigo 74º, nº 2 – desde o ensino básico universal, obrigatório e gratuito até ao estabelecimento progressivo da gratuitidade de todos os graus de ensino… E é perante fórmulas tão generosas e abertas como estas que o tema deve ser analisado, tendo em consideração a escassez de recursos, a diversidade de situações sociais abrangidas e a necessidade de concretizar um conceito de “justiça complexa”, capaz de conciliar liberdade de escolha, igualdade e diferença.

O moderno Estado social precisa de encontrar novas formas de concretização da “liberdade de aprender e ensinar”, a partir da rede existente e do seu desenvolvimento, maximizando os recursos disponíveis e assegurando uma “justiça distributiva” apta a evitar distorções na distribuição (equilibrada) dos recursos públicos e a assegurar que não haja agravamento de desigualdades e privilégios. Não basta, pois, uma análise formal de preceitos constitucionais ou legais, exige-se, sim, um conceito integrado de “rede de serviço público de educação”, na qual seja possível uma adequada e equitativa utilização de recursos públicos, provenientes dos contribuintes. E é aqui que as dificuldades se põem, mesmo quando analisamos as experiências de Direito comparado. A afectação de meios à educação e à formação tem de ser feita com base em critérios rigorosos, que permitam a melhor utilização dos recursos, segundo uma lógica distributiva e de correcção de desigualdades. E neste ponto temos de ser cada vez mais exigentes e audaciosos, de modo a compreender que as redes de escolas actualmente existentes têm de ser melhor utilizadas; que a rede estatal não pode ser desvalorizada; e que a autonomia dos estabelecimentos de ensino tem de se tornar regra.

Muito se tem escrito e debatido sobre o tema da relação entre o Estado e a sociedade civil a propósito da concretização da liberdade de aprender e ensinar. As dificuldades maiores encontradas têm estado, no entanto, ligadas aos vultuosos investimentos necessários, à diversidade da população escolar abrangida, à crise do Estado‑providência e à decadência demográfica, com repercussões evidentes nos sistemas vigentes de cobertura dos riscos sociais tradicionais e a uma tendência para um forte centralismo burocrático avesso a mudanças, acrescendo as dificuldade técnicas inerentes à introdução de novos sistemas. Como conjugar liberdade e eficiência? Como evitar a mercantilização de um bem público como a Educação e a Formação? Como considerar a evolução demográfica e a quebra de população em idade escolar? Como conciliar a educação para todos, a exigência, a avaliação de conhecimentos e do sistema? Como garantir a qualidade e a justiça numa sociedade competitiva de fronteiras abertas?

De modo inequívoco, a Lei Fundamental portuguesa consagra a garantia da “liberdade de aprender e ensinar”, no elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Daí que o conceito de “serviço público de educação” deva ser abrangente, responsável e integrado, envolvendo as diversas iniciativas. Se hoje a existência na rede pública de contratos de associação com escolas privadas permite que se fale de um conceito alargado de “rede”, teremos de ser mais audaciosos e de aprofundar este entendimento e esta prática legal, de modo a encontrar novas formas de associação e de complementaridade entre escolas estatais e não estatais. 

Guilherme d’Oliveira Martins

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Agência ECCLESIA

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