Lei dos estrangeiros: Comissão Nacional Justiça e Paz contesta distinção no reagrupamento familiar com base na «condição económica»

Vice-presidente do organismo católico questiona se nova versão da legislação respeita valores fundacionais da igualdade

Lisboa, 02 out 2025 (Ecclesia) – A vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) criticou a distinção entre imigrantes no acesso ao reagrupamento familiar, prevista na lei dos estrangeiros, aprovada na terça-feira no Parlamento, com base na condição económica.

“Nós temos várias categorias discriminatórias ou suscetíveis à discriminação. É agora introduzida mais uma que já não tem tanto a ver nem com a origem nem com a cor, mas tem a ver com a condição económica. Ou com a condição de formação. É um bocadinho perturbador e eu diria que é um equilíbrio muito relativo”, afirmou Maria do Rosário Carneiro, em declarações à Agência ECCLESIA.

Depois de o presidente da República ter vetado a proposta da nova lei de estrangeiros, em agosto, o Governo apresentou uma nova versão, com alterações, que foi aprovada esta terça-feira na Assembleia da República.

A nova legislação mantém o prazo de dois anos para residência válida para pedir o reagrupamento familiar, mas admite várias exceções, incluindo para cônjuges; tal como na primeira versão, profissionais altamente qualificados ou com autorização de residência para investimento ficam dispensados de qualquer prazo.

Perante este cenário, Maria do Rosário Carneiro questiona: “Somos todos iguais, e é este um princípio constitucional fundamental, porque é que um direito fundamental, que é o direito à família, não é igual para todos e precisa de prazos?”.

A vice-presidente da CNPJ sublinha que “já há requisitos prévios que estão definidos pelo legislador no sentido da possibilidade de um estrangeiro se tornar imigrante” e não entende o porquê de “mais requisitos para que um direito fundamental humano seja respeitado”.

“Continuo a achar que não é equilibrado haver um direito à família total e restrito relativamente ao conjunto de cidadãos. Visto Gold, cartão azul, altamente qualificados, não têm critérios, não têm prazos. É reconhecido o direito pleno”, referiu.

Maria do Rosário Carneiro assinala que “todas as leis têm que ser alvo de fiscalização” e que se pode correr o risco de que esta seja “burocrática”, “sem consequências” e que isso é “muito mau”.

“Todas as leis carecem de ser revisitadas e reformatadas e adequadas aos tempos que se correm, tendo sempre presente valores fundacionais. Eu não sei se essa lei respeita todos os valores fundacionais da igualdade”, apontou.

Antes da aprovação da lei, a CNJP publicou uma nota intitulada “Sempre que nos abrimos, prosperámos, sempre que nos fechámos, regredimos”, na qual pediu que a nova legislação sobre migrações respeitasse os Direitos Humanos e promovesse a integração de todos.

“É um alerta. É um alerta para todos nós. E era um pedido também de alerta para os legisladores”, afirmou Maria do Rosário Carneiro, que destaca que, analisando a história da humanidade, é possível perceber que “todos os períodos de progresso, de expansão, de desenvolvimento tiveram a ver com a abertura”.

“Sempre que nos fechámos, regredimos e afundámos nas trevas. Portanto, isto é uma verdade histórica. Não é nem ideológica, nem não ideológica. É uma verdade histórica, confirmada pelos factos”, enfatizou, em entrevista ao Programa ECCLESIA, transmitido hoje na RTP2.

A responsável salienta que “a diversidade é o enriquecimento das sociedades” e que é a “esplêndida diversidade humana que torna as sociedades mais ricas e mais florescentes”.

A entrevistada relaciona o esquecimento com a repetição de erros, evocando os “tempos de conflito, de sofrimento e de regressão” que estiveram relacionados com o “fechamento”, que “resulta não só de quem o propõe”, mas de todos “os que que são cúmplices”.

“E todos somos nós. E, por isso, é que coletivamente há uma responsabilidade nas decisões e nos percursos que os países encetam, desenvolvem”, frisa.

“Em Portugal, felizmente, não estamos em conflito armado. Estamos num conflito ético, em que progressivamente se sente o tal esquecimento de que são as matrizes fundacionais da nossa vida comum”, indicou Maria do Rosário Carneiro.

LS/LJ/OC

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