Legislação sobre a eutanásia

«A garantia de que a medicina é defensora e promotora da vida humana é um limite que não pode ser ultrapassado», defende Laureano Santos A medicina recebeu um conjunto de contributos de praticamente todos os domínios das áreas científicas e tecno-lógicas que facultaram as condições para manter a vida humana, mesmo nos seus extremos limites. Com estes meios é possível interromper a outrora inexorável evolução para a morte de muitas doenças facultando a reintegração em padrões da vida pessoal, familiar e social correspondentes às melhores perspectivas. Este é um dos bons sinais da nossa civilização. Porém, em muitos outros casos, não obstante a judiciosa utilização de todos os meios, apenas é possível alongar o tempo de uma vida humana completamente dependente, na presença de grande sofrimento (orgânico e psicológico) para os doentes e para os que os rodeiam. Este tipo de situações tinha até há alguns anos uma história natural curta e previsível. Hoje, muitas destas situações prolongam-se indefinidamente com sequelas graves e incapacitantes, muitas com graves limitações das funções da vida, nomeadamente da motilidade e da autonomia. Outras permanecem com gravíssimas alterações da consciência e da capacidade cognitiva, permitindo apenas uma vida extremamente dependente do suporte das suas famílias e da comunidade envolvente, todos apoiados numa tecnologia escassa e cara, muitas vezes longínqua e dificilmente disponível. Nas sociedades actuais há muitos doentes nestas situações de dependência e de vulnerabilidade. Acentue-se que a dignidade e a soberania das pessoas a quem, nestas circunstâncias extremas, se aplicam os cuidados de saúde constituem o valores mais elevados a defender. As manifestações da vontade, os interesses e o bem-estar dos doentes prevalecem sobre todos os outros interesses da sociedade, nomeadamente os de ordem científica e económica. Têm direito a ser tratados com todos os recursos que lhes possam diminuir a solidão, a dor, a angústia e o sofrimento. Porém, ninguém pode ser instrumentalizado no sentido de directamente lhes provocar ou facultar a morte mesmo que seja essa uma vontade expressa. Ninguém tem o direito de suprimir uma vida humana. Todos os doentes incuráveis devem ter acesso aos cuidados paliativos adequados à sua situação de doença. As circunstâncias actuais da prestação de cuidados de saúde não existiam há algumas décadas. São, portanto, historicamente muito recentes. Contribuíram para um conjunto de questões de ordem ética, antropológica, jurídica, cultural e económica (referindo apenas a alguns domínios onde existe maior controvérsia) que se encontram em aberto e merecem ampla discussão de todos os sectores das sociedades. Existe uma estranha dialécti-ca entre o dever de viver e o direito a morrer, ou, de outra maneira, um conflito aberto entre os princípios bioéticos da autonomia e o da beneficência tendo como pano de fundo os conceitos de dignidade e da inviolabilidade da vida humana. No discurso de há 51 anos aos participantes no Congresso de Anestesiologia de 24 de Novembro de 1957, Sua Santidade o Papa Pio XII instituiu os princípios fundamentais da intervenção da medicina nas situações graves e irreversíveis no termo da vida humana. Ainda hoje se mantêm com algumas modificações na terminologia e nos conceitos. A vida humana no seu termo não deverá ser prolongada com a utilização inadequada de todos meios que as tecnologias podem facultar: “a razão natural e a moral cristã ensinam que, em caso de doença grave, o doente e os que dele cuidam têm o direito e o dever de pôr em acto os cuidados necessários para tratar a doença, conservar a saúde e a vida. Tal dever geralmente compreende a utilização de meios que, consideradas todas as circunstâncias, são ordinários, ou seja, não comportam um encargo extraordinário para o doente e para os demais. Uma utilização mais intensiva de meios de intervenção poderá ser demasiadamente onerosa ou mesmo impossível para as pessoas e tornaria extremamente difícil a consecução de outros bens. A vida, a saúde e todas as actividades temporais estão subordinadas aos fins espirituais.” Começam a surgir as propostas de alteração do nosso enquadramento legislativo no sentido da eutanásia. Não é esse o caminho a seguir. A morte intencional, ainda que motivada pela dor insuportável e por solicitação do próprio, constitui sempre um irremediável atentado ao mais alto bem jurídico e uma brecha no fundamental direito à vida e à integridade das pessoas. A garantia de que a medicina é defensora e promotora da vida humana é um limite que não pode ser ultrapassado por nenhuma outra regra.

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Agência ECCLESIA

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