«Laudato Si»: Encíclica inédita colocou Igreja Católica na luta por uma «ecologia integral»

Francisco propôs valorização do ser humano, da espiritualidade, da natureza e da cultura para superar crise ambiental

Foto: Agência ECCLESIA/OC

Lisboa, 21 abr 2025 (Ecclesia) – O Papa lançou em junho de 2015 a primeira encíclica dedicada ao tema da ecologia, ‘Laudato si’, na qual a valorização do ser humano, da natureza, da fé e da cultura para superar a atual crise ambiental.

Francisco pede “um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade” que consigam resistir ao “avanço do paradigma tecnocrático”.

“Uma ecologia integral requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contacto com a essência do ser humano”, escreve.

Francisco considera “inseparáveis” a preocupação com a natureza, a justiça para com os pobres, o compromisso social e a “paz interior”.

“Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas”, desenvolve.

O Papa descreve um mundo que vive em “pressa constante”, pelo que a ecologia integral exige tempo para “recuperar a harmonia serena com a criação” refletir sobre estilos de vida e “contemplar o Criador”.

Aos católicos, propõe uma espiritualidade ecológica e paixão pelo “cuidado do mundo”, assumindo a “vocação de guardiões da obra de Deus”.

“Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. (…) Não temos direito de o fazer”, avisa.

A encíclica sai em defesa de todas as formas de vida, desde o ser humano aos “fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis”, os micro-organismos ou o plâncton.

Francisco realça a “complexidade da crise ecológica”, que exige o contributo das “diversas riquezas culturais dos povos, a arte e a poesia, a vida interior e a espiritualidade”.

“Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos”, analisa o Papa, para quem esta situação implica “longos processos de regeneração”.

O documento alerta que a cultura ecológica “não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais” para os problemas que vão surgindo à volta da “degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição”.

A encíclica fala, por isso, em ecologia ambiental, económica, social e cultural, dando como modelo desta atitude São Francisco de Assis (1182-1226), o santo que inspirou o documento e a escolha do nome do Papa, após a eleição pontifícia.

“Se deixarmos de falar a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais”, adverte.

A encíclica sustenta que os direitos e necessidades das populações estão acima dos interesses financeiros e do mercado, criticando o “paradigma tecnocrático” nas sociedades atuais.

Francisco adverte para as consequências deste paradigma sobre a economia e a política, gerando decisões “em função do lucro” e permitindo que as “forças invisíveis do mercado regulem a economia”.

“A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e só muito lentamente se aprende a lição da degradação ambiental”, indica.

Neste sentido, o Papa argentino sustentva que “a salvação dos bancos a todo o custo”, fazendo pagar o preço à população, sem a contrapartida de uma reforma do sistema, apenas “reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises”.

Francisco deixou várias críticas ao “mecanismo consumista” promovido por um paradigma “tecno-económico” e afirma que “o mercado, por si mesmo” não garante “desenvolvimento” ou “inclusão social”.

O texto liga a crise ecológica à crise moral e à “cultura do relativismo”, antes de apelar a novos estilos de vida e refutar “uma conceção mágica do mercado”.

Francisco entende que para lá da possibilidade de “terríveis fenómenos climáticos ou de grandes desastres naturais”, a humanidade tem também de estar atenta a “catástrofes resultantes de crises sociais”.

A ‘Laudato si’ propõe uma mudança de fundo na relação da humanidade com o meio ambiente, alertando para as consequências já visíveis do aquecimento global e das alterações climáticas.

Numa questão polémica, o texto fala numa “raiz humana” da crise ecológica, que o Papa diz ser possível superar, entre outras medidas, “substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável”.

O Papa admite que há outros fatores que contribuem para as alterações climáticas, mas recorre a conclusões de “numerosos estudos científicos” para sustentar que “a maior parte” do aquecimento global se deve “à alta concentração de gases com efeito de estufa”, emitidos sobretudo “por causa da atividade humana”.

encíclica com 246 números, divididos em seis capítulos, fala da “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta” e lança várias críticas a um “novo paradigma e formas de poder que derivam da tecnologia”, desafiando a comunidade internacional a “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso”.

O Papa recorda “a grave responsabilidade da política internacional e local”, condenado o aborto e a “cultura do descarte”, num texto que apresenta a proposta dum “novo estilo de vida” para a humanidade.

A encíclica é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão ‘Laudato si’’ (louvado sejas) remete para o ‘Cântico das Criaturas’ (1225), de São Francisco de Assis, o religioso que inspirou o pontífice argentino na escolha do seu nome.

Francisco faleceu hoje, na Casa de Santa Marta, onde se encontrava em convalescença desde 23 de março, após um internamento de 38 dias no Hospital Gemelli, devido a problemas respiratórios.

O anúncio foi feito pelo cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell: “Queridos irmãos e irmãs, é com profunda dor que devo anunciar a morte do nosso Santo Padre Francisco. Às 07h35 desta manhã, o Bispo de Roma Francisco regressou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da sua Igreja”.

OC

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