Voluntariado e trabalho da capelania na prisão são uma oportunidade de afirmar que «há esperança» para além de uma «fase dura» que os reclusos atravessam
Lisboa, 10 fev 2025 (Ecclesia) – Ana Cordeiro de Sousa é voluntária no Estabelecimento Prisional (EP) de Lisboa e no Hospital Prisional de Caxias, levando aos reclusos a certeza de que “são mais do que o crime” e que “há esperança” para além desta “fase dura” que atravessam.
“Esta certeza, este entusiasmo, quando conseguimos passá-lo para eles, depois recebemo-lo em dobro, sem dúvida nenhuma, de que não somos só as asneiras que fazemos na vida, somos muito mais do que isso”, afirmou a voluntária, em entrevista ao programa Ecclesia desta segunda-feira.
O voluntariado em ambiente prisional é uma missão que Ana abraça há 10 anos, “um caminho muito gratificante”, sublinhando que o sentimento é comum entre os voluntários quanto a esta experiência, saindo todos da prisão muito “mais ricos”.
“Costumo dizer que venho sempre com os pés a um palmo do chão quando saio dali”, referiu.
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Ana Cordeiro de Sousa dá conta que os reclusos valorizam “muito” o trabalho dos voluntários em meio prisional: “Eles às vezes perguntam: ‘mas vocês não estão a ganhar dinheiro para vir aqui?’ Não, isto é a minha hora de almoço. E eles ficam maravilhados”.
“A gratidão, o reconhecimento deles é uma das coisas que nos alimenta. Eles sentirem que realmente vamos lá porque nos importamos com eles. E porque representamos uma parte da comunidade cá fora que se preocupa com eles”, destaca.
A voluntária salienta que é importante para os reclusos perceberem que há alguém no exterior preocupado com eles, não com o crime que cometeram, mas com o que são.
“Aqui há tempos um [recluso] dizia-me assim: ‘isto que estamos a fazer mudou o sentido da minha vida. Porque quando eu entrei aqui disseram que isto era uma escola de crime. E que eu estava no sítio melhor para aperfeiçoar as minhas técnicas de crime. E eu, afinal, descobri que isto pode ser uma escola de vida e que eu posso estar aqui para aperfeiçoar as minhas estratégias do meu sentido de vida’”, partilhou.
O capelão do Estabelecimento Prisional de Lisboa, padre Paulo Araújo, relata que, durante período em que estão isolados, os reclusos fazem um “balanço de vida”, um “exame de consciência”, agradecendo muitas vezes por terem sido presos.
“Encontro em muitos uma vontade de querer fazer de forma diferente, uma vontade de recomeçar, como um reset”, indica.
As “prisões existem porque a sociedade precisa de se proteger e precisa, de certa forma, de ajudar a que pessoas que cometeram um crime possam ser ajudadas a ser ressocializadas”, no entanto o sacerdote denuncia que aquilo que vê, “em muitas circunstâncias”, é que estes estabelecimentos “não fazem isso”.
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“Aquilo que acontece muitas vezes é que aquilo que os espera cá fora é a mesma realidade que tiveram antes, muitas vezes sem recursos, sem outras saídas”, voltando para a realidade que conheceram antes, lamenta o capelão.
Questionada sobre as fragilidades no sistema prisional, expostas na sequência da fuga de cinco reclusos da Prisão de Vale do Judeus, Ana Sousa evidencia a falta de guardas prisionais, que são “muito poucos” e com condições de trabalho “difíceis”.
“É um desafio eles irem trabalhar todos os dias. E depois é um desafio também gerir um EP com estes recursos e com a falta de investimento nas próprias infraestruturas dos EPs”, ressalta.
A voluntária defende que se houvesse outras condições nas prisões, o grupo de voluntários poderia ser “muito maior”, permitindo chegar a muito mais alas e mais reclusos.
“Poderia ser feito muito mais se o investimento, de base, fosse outro”, enfatiza.
Quanto à assistência religiosa, o padre Paulo Araújo vê como um desafio em muitos Estabelecimentos Prisionais ainda não existirem capelas para celebrar a Eucaristia ou para dar catequese.
A entrevista ao Padre paulo Araújo e a Ana Cordeiro de Sousa é transmitida esta segunda-feira no programa Ecclesia, na RTP2, pelas 15h00.
HM/LJ/PR