O encontro de jovens de todo o mundo com o Papa vai decorrer em Roma de 28 de julho a 3 de agosto, com a presença garantida de muitos portugueses – 11 mil a nível nacional, mais de 4 mil só da Diocese de Lisboa. Um dos grupos mais numerosos reúne 167 peregrinos das paróquias de Cascais e do Estoril. Raquel Ribeiro é uma das responsáveis por este grupo. Tem 37 anos, é educadora social e está ligada aos Escuteiros de Cascais

Entrevista conduzida por Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
Como é que surgiu esta possibilidade de ir a Roma e levar tanta gente das duas paróquias?
Na verdade, o primeiro projeto surgiu no âmbito dos escuteiros do nosso agrupamento. Nós sabíamos que depois da Jornada Mundial da Juventude queríamos levar um grupo ao Jubileu da Juventude, e enquanto agrupamento juntámos umas forças, fizemos um projeto para apresentar ao grupo de jovens. Tínhamos 27 inscritos dentro do agrupamento, entre animadores e jovens (23 jovens e 4 animadores). Quando fomos falar com os padres da paróquia de Cascais, acharam fantástico e deram o seu aval, mas disseram que gostavam que alargássemos esta proposta a outros jovens das paróquias de Cascais e Estoril, que já costumamos fazer iniciativas juntos, enquanto vigararia. Dissemos que sim – porque é o que fazemos, levantamo-nos e dizemos que sim! -, e abraçamos este projeto com todo o gosto e com toda a vontade de proporcionar a oportunidade ao máximo de jovens possível.
É um grupo muito significativo, pelos números que temos sabemos que é um dos maiores do Patriarcado. Ao nível da participação nacional e também da participação dos jovens de Lisboa, esta é a maior de sempre, obviamente excluindo a JMJ Lisboa de 2023. Foi fácil mobilizar os jovens? Ou foi preciso deixar gente de fora, porque havia mais interessados em ir?
Inicialmente, ao nível das paróquias, não foi muito fácil. Fizemos um primeiro levantamento, a proposta inicial era a da diocese, para irmos de autocarro, e não tivemos muitos inscritos. Isso também era uma preocupação, por que é que não tínhamos muitas inscrições? A proposta que tínhamos dos escuteiros, que depois foi alargada aos jovens da paróquia, foi irmos de avião e termos aqui uma gestão diferente dos dias necessários para esta experiência do Jubileu dos Jovens, e na verdade isso acabou por fazer a diferença, irmos de avião e termos aqui um período mais reduzido de Jubileu. Entre campos de férias, acampamentos, férias de família, hoje em dia temos de gerir muito bem os verões. Tínhamos a estimativa de chegar aos 60, já com os 27 escuteiros incluídos, e de repente, indo de avião e fazendo oito dias de Jubileu dos Jovens, temos 167!
Não pensamos em pôr um teto, porque achávamos que não ia ser necessário, e de repente já não podíamos pôr teto, porque se 167 jovens das paróquias de Cascais e Estoril querem ir ao Jubileu, nós temos de tentar arranjar forma de os levar, arranjar soluções! Não deixámos ninguém de fora, houve só uma fase, já em março, em que tivemos mesmo de fechar, porque era o prazo para inscrever junto da organização central, e não havia como contornar. Mas, enquanto pudemos receber jovens, com uma grande vontade de abraçar toda a gente, fomos dizendo que sim.
E estes jovens são só da catequese e dos escuteiros, ou há também outros ligados à paróquia?
Temos jovens dos escuteiros, da catequese, dos grupos de jovens, dos campos de férias, das paróquias, a proposta foi-se alargando. Por exemplo, temos muitos jovens do colégio do Ramalhão (Sintra), e alguns jovens de Lisboa, a palavra foi passando, e a proposta de estar uma semana em Roma com jovens católicos de todo o mundo, num período mais contido (do que a proposta de 10 dias, da Pastoral Juvenil) e com um valor a pagar bastante razoável – que esse era também um ponto de esforço da organização – era muito apelativo. Então, acaba por ser um grupo de jovens Cascais/Estoril alargado.
Houve alguma campanha de financiamento? Como é que se chegou ao valor que cada um teve de pagar?
Continuamos neste momento ainda a trabalhar para isso. Tínhamos um teto que achámos que era um valor razoável e que todas as famílias conseguiam chegar, que era um valor de 400 euros por peregrino – isto não é segredo, está nos canais de comunicação das paróquias. Dos 400 até ao valor X – que hoje já sabemos que é à volta dos 850 euros, portanto 450 euros por pessoa – é conseguido com vendas à porta das paróquias, com um arraial. Fizemos no domingo passado os Santos Jubilares e angariámos dinheiro nesse arraial. Algumas vendas de rua, fizemos um musical com o apoio de um grupo da paróquia de Cascais, para angariação de fundos, tem havido muita mobilização para chegar a este valor. A meta de angariação de fundos está cada vez mais perto, mas continuamos a trabalhar nesse sentido. Eu acho que vai ser mesmo até ao fim.
São atividades muito ligadas às paróquias e aos escuteiros. Ser escuteira também tem facilitado estar à frente desta organização?
Claro, sem dúvida. Isto é o nosso ADN, o método do projeto, colocarmos os jovens na frente destas iniciativas. É o nosso ADN. Na verdade, quando criámos a proposta do Jubileu dos Jovens dentro dos escuteiros foram eles que a propuseram, é assim que funciona, e depois em grupo aprovamos e dizemos que sim. Aqui também nos fazia sentido que os jovens liderassem esta iniciativa, tanto na lógica da preparação mais espiritual e do grupo, de nos conhecermos todos uns aos outros, porque somos muitos, como na lógica da angariação de fundos.
Temos cinco pessoas mais crescidas na equipa de organização central, incluindo dois padres. Todos os outros animadores têm até aos 26 anos, assumindo a responsabilidade de ajudarem a liderar o grupo, mas são todos eles jovens, porque isso faz parte. O ser escuteira acho que trouxe também essa natureza para a forma como lidamos e estamos a lidar com este grupo.
É uma estrutura de cinco pessoas, com ajuda desses tais animadores. No seu caso já participou nestes grandes eventos antes…
Já participei em alguns, sim. Enquanto escuteira participei nos Jamboree – os acampamentos mundiais – no Japão e nos Estados Unidos. Enquanto grupo mais alargado, não necessariamente dos escuteiros, fui à Jornada Mundial da Juventude de 2011 em Madrid, enquanto jovem.
Aí também eram quase 10 mil portugueses…
Sim, éramos muitos. Mesmo assim fico surpreendida com este número este ano, porque Madrid foi uma viagem de autocarro, foi uma noite, até se fez relativamente bem. 11 mil agora, é fantástico, é incrível!
Tivemos essa experiência em Madrid, preciosa e que guardo com muito carinho na minha vida, e isso também é algo que me faz querer ajudar a que mais jovens vivam este tipo de atividades.
Na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, no âmbito do levantamento de voluntários do Corpo Nacional de Escutas, fui voluntária dos escuteiros. Tínhamos um grupo de jovens integrados no grupo da paróquia a viver a JJM e eu estava como voluntária para aquilo que fosse preciso a nível central.
O convite para este Jubileu foi lançado precisamente na JMJ Lisboa. Estes momentos são sempre balões de oxigénio para os jovens, para o resto do ano?
Sem dúvida, para o ano que olhamos para a frente. Quando começamos a preparar o ano, no caso escutista, e também o ano da Igreja, em setembro, olhamos sempre para agosto (do ano seguinte) com uma esperança, porque, na verdade, estamos a ser puxados pela âncora até lá. Mas, depois o bichinho fica: fica para os irmãos mais novos que ficam em casa, a rezar para que corra tudo bem, mas também já a olhar, se calhar, para a Coreia, quem sabe, para os eventos futuros, e fica para quem viveu esta experiência e depois pretende partilhar.
Para mim ter jovens que viveram a Jornada Mundial da Juventude em 2023 e que hoje são animadores, acho que faz todo o sentido. Porque eles viveram, experienciaram, e querem agora partilhar com os mais novos, ajudando a liderar o grupo. Estas são as sementinhas que estes grandes eventos vão acabando por criar nos nossos jovens.
Falamos há pouco da surpresa perante o facto de irem a Roma mais jovens ainda, a nível nacional, do que foram, por exemplo, a Madrid, em 2011. O que aconteceu há dois anos aqui em Lisboa ajuda a explicar esse sucesso?
Penso que sim, sem dúvida! Se calhar quem nunca tinha tido oportunidade de experienciar de forma tão próxima o que é uma Jornada Mundial da Juventude, via o encontro fora, pela televisão, pelas redes sociais, mas não sentia aqui presencialmente, na minha rua, na minha escola, na minha paróquia, peregrinos a passar. O ver na vida real, no nosso mês de julho e de agosto, que acabou por ser aquele verão de 2023, é diferente de ver num écran. E depois, claro que deixa um ‘bichinho’.
Mas, queria também dizer uma coisa que acho relevante, na qual pensei quando me lançaram este convite para vir aqui conversar: temos alguns jovens de 14 e 15 anos, e que na altura não tinham idade, mas que agora querem, são os primeiros ali da fila!
Os mais novos têm 14 anos?
Temos uns quantos. E depois temos jovens de 18, 19, 20 anos, que na altura viveram a JMJ ainda como adolescentes, e que agora já são jovens adultos e continuam a ter vontade de participar, aqui com uma experiência alargada, que é estar num outro país, com outra cultura.
Para a maioria este será o primeiro grande encontro com o Papa Leão XIV. Qual é a expectativa que sente no grupo, nos jovens que vão, sobre este encontro? E também em termos pessoais…
Do novo Papa, o Papa Leão, ainda não senti falarmos muito. Ainda vai começar a surgir, porque é um Papa novo… vai ser preciso esta aproximação, conhecer melhor. Claro que gostamos todos do Papa Leão, obviamente, mas o Papa Francisco já o conhecíamos, já o tínhamos visto se calhar na JMJ, e queríamos revê-lo.
Aliás, as inscrições no Jubileu tinham de ser entregues até março, e nessa altura o Papa ainda era Francisco…
Exatamente. Claro que ninguém se inscreve só para ver o Papa, e também não é só essa experiência e essa oportunidade de fé que queremos proporcionar, mas claro que motiva. Agora, no primeiro dia em que estivermos no meio daquela multidão a ver o Papa chegar, eu acho que aí se calhar dizem ‘olha, já o conheço, está aqui à minha frente’. Acho que isso pode fazer diferença. O facto de ser em Roma é um grande apelo: a Praça de São Pedro, o Vaticano. Já temos bilhetes para ir ao Museu do Vaticano, à Capela Sistina, às Portas Santas todas. Este apelo especial que só surge no Jubileu acaba por ser aqui o grande atrativo para termos tantos jovens inscritos.
Há uma curiosidade: o primeiro grande encontro do Papa Bento XVI após a sua eleição foi a Jornada Mundial da Juventude em Colónia, e o primeiro grande encontro do Papa Francisco foi a JMJ no Rio de Janeiro. Vocês vão fazer história.
É verdade! E espero que seja marcante para todos, e que a juventude continue a marcar o pontificado do Papa Leão. Vai ser especial para todos.
Este jubileu coincide com o segundo aniversário da JMJ Lisboa. Que balanço faz destes dois anos? Este evento que aqui acolhemos deixou marcas para a Pastoral Juvenil? Causou mudanças na forma como a Igreja também mobiliza e conta com os jovens?
Penso que sim, e aqui vou-me focar nos escuteiros: na Jornada Mundial da Juventude de 2023 estava a acontecer em simultâneo o Jamboree, na Coreia. Nós tivemos um grupo que dois anos antes tinha estado a decidir o que é que ia fazer. Depois a data da JMJ foi alterada, o ano em que ia acontecer, por causa da pandemia, e houve uma sobreposição. Houve um grupo de 20 escuteiros que foram ao Jamboree e não à JMJ. Eles gostaram muito do Jamboree, o acampamento mundial, mas na altura ficaram a achar que se calhar deviam ter ficado em Lisboa a viver a Jornada Mundial da Juventude, exatamente porque existe um sentido de Igreja universal, que é dos jovens – não é para os jovens, mas é dos jovens também – e estes são os momentos de pico desta vida espiritual que os jovens têm em Igreja.
Eles na altura não se sentiram parte, porque só viram a JMJ num retângulo do écran, e a partir daqui vão-se sentir parte para sempre. Começa agora, esta é a porta, já se abriu. Abriu-se em setembro quando decidimos que íamos, e a porta está aberta e fica escancarada para momentos futuros. Estas âncoras na vida espiritual de cada um acabam por marcar a experiência de fé dos atuais jovens, futuros adultos, que depois vão também espalhar essa experiência.
Mas, essa experiência específica do escutismo – que reconhecemos como das maiores de protagonismo juvenil no mundo católico – de responsabilidade dos mais novos, a JMJ permitiu que mais comunidades se apercebessem da validade dessa pedagogia?
Dos escuteiros?
Da forma como as comunidades católicas se devem relacionar com os mais novos, deixando que eles assumam a responsabilidade…
Sim, sem dúvida. Na JMJ tínhamos também escuteiros, os que não tinham ido para o Mundial estavam a viver aqui a Jornada, e nós, inclusivamente, nos dias em que era possível, levávamos os mais novos, chegámos a ir ao Parque Eduardo VII com os miúdos de 12, 13 e 14 anos. E toda a gente dizia ‘ai, mas são tão novos, como é que vais fazer isto?’. Na altura eu estava na minha missão de voluntária, eram os outros animadores, exatamente porque esta responsabilização, este depositar uma confiança de que tu podes viver isto, ainda que sejas um bocadinho mais novinha, desde que tenhas a noção da responsabilidade que é estares ali, naquele momento, com tanta gente, e está tudo bem – tens 12 anos, mas podes ter a tua responsabilidade; tens 12 anos, mas organizas-te nos transportes com os outros todos.
Esta autonomia e confiança que damos aos jovens nos escuteiros acho que pode ter ficado mais alicerçada nos outros grupos da paróquia, também a partir da Jornada Mundial da Juventude, porque na verdade foi uma confiança que se deu andarmos com grupos de 10, 20, 100 jovens por Lisboa, nos transportes, a dormir ao relento no Parque Tejo. Foi preciso confiança das famílias, das catequistas, confiança de toda a gente e correu bem.
E agora também há certamente essa confiança para o Jubileu. A Raquel já explicou que vão de avião. Sabemos que em Lisboa, por exemplo, os jovens que vão com a Pastoral Juvenil seguem de autocarro – uma viagem de 10 dias, são 31 autocarros, e num deles irá o patriarca. No vosso caso, também vão uns dias antes?
A ideia inicial era irmos a 27 ou 28 de Julho e voltarmos a 4 de Agosto, porque o nosso pack de inscrição é voltar a 4. Contudo, de repente, com 167 peregrinos era muito difícil arranjarmos aviões que nos trouxessem, ou que nos levassem nos dias em que queríamos. Tivemos de nos adaptar, e temos idas a 25, 26, 27 e 28 de Julho. Temos 8 reservas para levar o grupo, uma grande confiança nestes animadores para levar estes jovens no avião e vamo-nos encontrando em Roma. Depois o regresso será menos gradual, mas também faseado. O que acontece é que aqueles que não estão em campos ou que conseguiram tirar férias vão mais cedo, e aqueles que tinham mais dificuldades na gestão do horário vão mais tarde.
O programa da Diocese, se eu tivesse 20 anos e muitas férias no Verão, acho que seria incrível, porque os locais onde vão parar são especiais e ajuda a criar um espírito grupo. Na verdade, o facto de irmos de avião trouxe a possibilidade de levar mais jovens, que se calhar não iria porque não podiam estar no dia para apanhar o autocarro, e podem ir agora porque vão de avião. Ainda vai um grupo grande no dia 27 e no dia 28. Esses dias fazem toda a diferença, porque temos jovens que estão a chegar dos campos (de férias) no domingo a fazer a mochila, e no dia a seguir, segunda-feira, estão a ir para Roma ter connosco, portanto faz diferença. Se eles puderem fazer tudo o que podem fazer no Verão, também estamos a fazer aqui o nosso trabalho.