«Essa mensagem de esperança pode ser associada, sem qualquer confusão dos planos eclesial e político, aos 50 anos do regime democrático», sublinha bispo de Setúbal
Lisboa, 06 jan 2025 (Ecclesia) – O cardeal D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal, entregou hoje ao presidente da Assembleia da República um pedido de amnistia para reclusos, evocando o apelo feito pelo Papa no Jubileu 2025.
“Apresento-me perante vossas excelências interpretando o mandato do Papa Francisco, pedindo, convidando, exortando, a que possa o Parlamento refletir sobre a oportunidade de uma Lei de Amnistia de Infrações e Perdão de Penas no contexto dos 50 anos do regime democrático e do Ano Jubilar 2025”, refere a carta entregue a José Pedro Aguiar-Branco e dirigida também aos diferentes grupos parlamentares.
Na bula de convocação do Jubileu 2025, que a Igreja Católica começou a celebrar no último dia 24 de dezembro, com a abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco defende uma amnistia para os presos, como sinal de “esperança”.
“Proponho aos governos que, no Ano Jubilar, tomem iniciativas que restituam esperança aos presos: formas de amnistia ou de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis”, indica o texto, intitulado ‘Spes non confundit’ (A esperança não desilude).
O bispo de Setúbal sustenta que uma lei de amnistia “deve ser encarada como um sinal de esperança e confiança na vontade de reabilitação de infratores e reclusos, de reconciliação deles para com a sociedade e desta para com eles”.
O cardeal D. Américo Aguiar recorda que as celebrações do Ano Santo se iniciaram, em todas as dioceses católicas, a 29 de dezembro, destacando que esta é uma tradição que remontam a 1300.
“A celebração do Ano Jubilar é um acontecimento da Igreja Católica que pretende lançar uma mensagem de esperança dirigida a todas as pessoas, católicas e não católicas”, assinala.
No contexto histórico da sociedade portuguesa essa mensagem de esperança pode ser associada, sem qualquer confusão dos planos eclesial e político, aos 50 anos do regime democrático, manifestando o júbilo pelo caminho realizado e o objetivo do seu aperfeiçoamento no futuro. Pode ser inserida nesse âmbito uma lei de amnistia de infrações e perdão de penas”.
O bispo de Setúbal considera que o apelo à amnistia está em linha “com os princípios que regem o sistema penal português”.
“Essa lei não deve ser interpretada como sinal de permissivismo ou indiferença perante a gravidade das infrações e crimes em questão. Justifica-se, por isso, que, como vem sendo habitual neste tipo de leis, se salvaguardem os direitos das vítimas e que a redução das penas se sujeite a uma condição resolutiva, nos termos da qual essa redução será revogada se a pessoa que dela beneficia cometer infrações dolosas durante determinado período”, precisa.
O cardeal, que presidiu à Fundação JMJ Lisboa 2023, evoca a lei de amnistia e perdão, por ocasião da realização da Jornada Mundial da Juventude, realçando que a mesma teve “um alcance restrito, por dela terem beneficiado apenas os jovens”.
“O alcance restrito dessa lei provocou grande desilusão em muitos reclusos por ela não abrangidos que esperavam aquele sinal de confiança nos seus propósitos de reabilitação e reconciliação com a sociedade e desta para com eles. Pode ser esta uma ocasião de dissipar essa desilusão”, acrescenta.
Em declarações aos jornalistas, no fim do encontro com o presidente da Assembleia da República, D. Américo Aguiar disse que o pedido apresentado aos parlamentares decorre da interpretação que fez, “como bispo”, das palavras do Papa e do “eco” que sentiu junto de reclusos dessa proposta de Francisco e de “um sentimento de alguma tristeza” por terem ficado excluídos da amnistia, por ocasião da JMJ por questões de idade.
“Ninguém está excluído de tomar decisões e de dar a sua opinião e de fazer os seus pedidos. E é nessa circunstância que aqui eu me encontro, como bispo que interpretou aquilo que são as palavras do Papa Francisco, e venho agradecer o acolhimento que lhe foi feito, de apresentar essa proposta, e agora o jogo democrático acontecerá com toda a normalidade”.
“As senhoras deputadas e os senhores deputados são os representantes dos portugueses neste Parlamento e, um dia, mais cedo ou mais tarde, sem pressões nenhumas, tomarão uma decisão sobre este assunto, que me alegrará se for uma resposta positiva e me tornará a fazer caminho se for uma resposta negativa” , afirmou.
O cardeal reiterou que a “questão da amnistia das infrações e do perdão de penas nem é de direita nem é de esquerda”, quando questionado sobre se está confiante num consenso entre partidos, uma vez que forças políticas de direita manifestaram-se contra o pedido ainda antes da entrega da carta no Parlamento.
“Que cada senhora e senhor deputado, em consciência, tome a decisão que acha certa para o tempo, para o timing e para as circunstâncias que o país vive. Não me preocupa, nem é o meu registo, se é à direita, se é à esquerda, se é extrema, se é isto ou se é aquilo”, salientou.
O bispo de Setúbal reforçou que o pedido de amnistia para os reclusos exclui “crimes de sangue e de gravidade tipificada” e explicou que esta é uma iniciativa que faz em nome da Diocese de Setúbal e enquanto cardeal, naquilo que significam as suas responsabilidades, tal como outros bispos que já se manifestaram no mesmo sentido.
À direita e à esquerda, as reações à entrega do pedido da amnistia para reclusos fizeram-se chegar rapidamente.
O presidente do Chega, André Ventura, afirmou que o partido “não vai acompanhar nenhuma iniciativa de amnistia”, seja ela a petição de um conjunto de cidadãos ou assuma a forma de proposta de lei, sugerida por outros grupos parlamentares. “Isto representa um ciclo de impunidade, de desautorização do poder judicial e de criação de perigo nas nossas ruas e nas nossas cidades que não se coaduna com o estado atual da criminalidade em Portugal e com o estado atual da insegurança em Portugal”, defendeu. O líder do partido justifica a decisão com base no facto de que as pessoas “podem recorrer variadíssimas vezes sobre as condenações que tiveram, tendo direito a múltiplas apreciações judiciais em relação às suas condenações” e que, por isso, não há motivo para entender que estas foram “injustas ou persecutórias”. “Nós estamos a assistir em Portugal a um aumento crescente de insegurança. E isso não se coaduna com libertar presos por uma amnistia”, referiu. Também a Iniciativa Liberal (IL) se mostrou contra a proposta apresentada por D. Américo Aguiar, defendendo que “por regra não deve haver intromissão de nenhum tipo de poder, nem confessional, nem político e confessional, muito menos num Estado laico nestas matérias”. “Nós não votaremos a favor, votaremos contra uma nova amnistia, eu recordo que por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude houve já um processo de amnistia e estas matérias têm de ser matérias que funcionam por exceção e não podem representar uma permanente intromissão do poder político ou até neste caso de confissões religiosas naquilo que é a independência dos tribunais”, realçou o líder da IL, Rui Rocha. Contrariando a ideia de que a amnistia resultaria em mais insegurança, o Bloco de Esquerda (BE) sublinhou que tal nunca aconteceu no passado, lembrando a libertação de presos durante a Covid-19. “Nenhuma amnistia ou nenhuma medida de redução da população prisional resultou em Portugal num problema de segurança coletiva”, afirmou o líder parlamentar do BE, em declarações aos jornalistas. Segundo Fabian Figueiredo, esta medida “trará melhores condições para a reinserção social, mais direitos humanos e é nesse espírito que o Bloco de Esquerda está a trabalhar num projeto de lei” que “apresentará nos próximos dias”. O Bloco de Esquerda lembrou que não estão em discussão “amnistias de crimes graves”: “Não estamos a falar de amnistias a homicídios, a condenados por violência doméstica, abuso sexual, terrorismo, grande corrupção, muito pelo contrário”. O Partido Comunista Português (PCP), a primeira força política a reagir, entende que “não deve ser excluída à partida” a possibilidade de uma amnistia, propondo-se a avaliar situação. O deputado do PCP, António Filipe Dias, enfatizou que a amnistia não deve ser vista como forma de “resolver os problemas do sistema prisional”, que se tratam com investimento. |
Esta manhã, D. Américo Aguiar visitou o Estabelecimento Prisional do Montijo para levar uma palavra de conforto e esperança aos reclusos que ali se encontram.
A 26 de dezembro de 2024, o Papa abriu uma Porta Santa na prisão de Rebibbia, em Roma, num gesto inédito na história dos jubileus.
O Papa Bonifácio VIII instituiu, em 1300, o primeiro ano santo – com recorrência centenária, passando depois, segundo o modelo bíblico, cinquentenária e finalmente fixado de 25 em 25 anos.
OC/LJ/PR
(Notícia atualizada às 21h37)