Não se pode dizer que João Valério veja o mundo entre a música e a arquitetura, mas ambas as artes têm um peso na sua vida e o arquiteto de profissão, melómano nos tempos livres, até encontra uma gramática comum. Desde cedo a arquitetura «casa» foi sendo apreendida a partir da sua experiência familiar; com o crescer, foi consolidando a «casa interior» que, naturalmente encontrou espaços exteriores para poder duvidar, questionar, confrontar e consolidar.
O jovem de 29 anos integra, com o seu violino, a orquestra que entre 1 e 6 de agosto vai tocar nos momentos celebrativos da Jornada Mundial da Juventude.
Desafiado a construir a cidade das Jornadas, gostaria de a ver como uma futura igreja a ser construída: com uma mesa onde todos cabem, um espaço sem paredes onde todos podem entrar, abeirar, experimentar, e um adro para encontros inesperados.
«Gostaria que a cidade se tornasse num espaço de convite: que as jornadas possam ser não só algo chato porque os transportes vão ficar difíceis e estarão cheios, mas que seja uma oportunidade de viver uma experiência do religioso – por vezes é algo com que as pessoas não se identificam, e isso será de respeitar, mas havendo a oportunidade de descobrir algo, então que o seja de facto, conduzindo a uma descoberta. Por vezes nunca será esse o caminho, outras vezes será depois de muitos anos, outras vezes será apenas um caminho de humanidade»
«Creio que existe uma busca muito grande pela transcendência. Pela falta de referências acaba por ser uma busca difícil, com muitos becos sem saída, em conceitos latos como a beleza – que são importantes para a vida mas que por vezes não expressam a transcendência. A busca, a inquietação interior, não encontra, por vezes, fundações muito sólidas, pontos de referência e a experiência do sagrado. Existe o anseio humano por algo mais, além daquilo que é físico, mas é difícil dar um nome às coisas e não quero dizer com isto que a ideia de Deus tenha de ser aceite por todos. Claro que partilhamos a experiência e gostamos quando as pessoas se sentem interpeladas por essa experiência, mas não se trata de uma obrigação. A religião é uma experiência de liberdade».
«A casa interior não cresce se ficar apenas dentro de casa: para isso, os amigos são muito importantes, os grupos onde nos vamos inserindo, quer na dimensão mais eclesial com grupos de jovens ligados a paróquias, como grupos onde a Igreja praticamente não tem parte – e isso também é muito importante para nos questionarmos, sendo também a oportunidade para levar a Igreja a outros que não a conhecem ou a percecionam de forma distorcida. Essa casa interior que cresce fora é essencial, naturalmente compreendendo um regresso para arrumar ideias e fazer sínteses»
«Há uma parte importante de construção de uma igreja como espaço de encontro, e nesse sentido, implicaria as pessoas que se reúnem em torno do altar, da mesa comum, que é para todos, que não exclui e a mesa que é do sacrifício mas também da refeição, e por isso, do encontro. A possibilidade de a igreja ser um espaço fora do mundo – podemos sentir que estamos num espaço diferente mas não se desliga do mundo e pode ser aberto. A igreja pode ir também para fora – não precisa de ser o espaço apenas interior, e o adro é a figura mais representativa dessa igreja que sai, e pode ser o espaço da comunidade, de sair mas onde os outros podem entrar, o espaço da festa da comunidade, do arraial, do encontro, do juntar. O espaço em que a igreja tem uma presença na cidade, não como imposição, mas como convite»