João Paulo II visto por Bispos e Sacerdotes

VP – De tudo o que foi e fez João Paulo II, ao longo do seu Pontificado, qual a característica, acção ou situação que mais lhe marcou? Bispo Armindo Lopes Coelho – Há várias facetas que me impressionaram ao longo do Pontificado de João Paulo II. A primeira é a fé firme, forte, autêntica e, digo mesmo, fresca. Falando-nos de Cristo e do Evangelho, e seus valores, faz-nos ir à presença do próprio Cristo para ouvirmos d’Ele a palavra que João Paulo II, de facto, nos deu. Não tratou a palavra, não a corrigiu, não a actualizou. Falou para o mundo actual com a verdade e autenticidade da Palavra de Cristo, de que Ele era Vigário. Com esta fé exemplar, o Papa foi também exemplar na sua fidelidade: a Cristo, aos valores evangélicos e à Igreja. Ele apresenta-se como o bom Pastor, que foi um modelo para todos aqueles que aceitam e têm consciência da sua missão de pastores. É um homem de coragem, um homem de lucidez, um homem aberto – às várias categorias de pessoas, ao mundo, às várias culturas, a todos os credos e a todos os problemas que afligem a humanidade. Finalmente, deixa-nos uma palavra de esperança, desde que fundamentemos essa esperança naquilo que foi a sua grande paixão em Cristo. Foi deste Cristo que o Papa deu um testemunho tão alto aos jovens que, na realidade, após a sua paixão e entrando na sua Páscoa, levou com ele esta esperança que lhe deixaram os jovens que tanto entusiasmou com Cristo. Bispo Carlos Azevedo – O que eu distingo e saliento de todo o Magistério foi a lição da sua fé. Fé vigorosa, profundamente espiritual, isto é, que envolvia todo o seu ser. Daí decorria um anúncio ousado, de princípios e de valores, dentro da Tradição da Igreja, e uma proposta de vivência do cristianismo no concreto da política, da economia e da cultura. Bispo Serafim Ferreira e Silva – O que mais admirava no Papa João Paulo II era a sua seriedade e a sua serenidade. Isto é, tinha muito rigor no Magistério (ou seja, seriedade) e era dialogante, compreensivo e paciente (portanto, serenidade). Nesta rima verifico que as duas palavras têm as mesmas letras, só sobeja uma: é o n, de nobreza de espírito. É o n de um estado de alma muito superior, muito sobrenatural, muito místico e, também, muito poético. A vida dele foi um Salmo, foi um poema. A vida dele conjugou o amor com humor. Muitas vezes brincava com a esferográfica, com o garfo. Por exemplo, no passado 13 de Maio de 2000, estava ao lado dele e perguntei-lhe se podia dizer uma palavra e, ele próprio, com a faca tocou no copo, como quem pede aos outros colegas que se calem para que o Bispo de Fátima possa falar. E, assim, sorria e brincava. E eu apreciava muito esta maneira dana de ser e de agir. Não se punha no pedestal. Era Pedro, mas ao mesmo tempo era João e era o Paulo. Fazia a ligação das 3 personalidades: de ser o sucessor de Pedro, o Papa; de ser um João místico, contemplativo e afectivo; e de ser um Paulo missionário, viajante. Sempre num espírito aberto! Bispo Manuel Martins – Tenho ouvido tanta coisa boa sobre este homem, que é difícil ser original. Isto só mostra que estamos perante uma figura invulgar, senão não andava o mundo debruçado nele. O que é interessante. A primeira questão a colocar, que surge espontaneamente, é: “Afinal, quem é este homem, o que tem dentro dele para ter tocado toda a humanidade?”. Algo lhe tocou de forma extraordinária para dar o testemunho que deu. O que me impressiona mais nele, para além de tudo o que tem sido dito e bem, é ser um Profeta e «Apóstolo da Diferença». Quer dizer, evangelizou em contracorrente. A corrente de hoje é contrária, de contrariedades e de facilidades de todo o género. A nossa sociedade, não obstante de toda esta tendência hedonista e permissiva, no fundo, tem saudades dos valores. O que os sociólogos chamam “a nostalgia do quintal”. O papa quis impedir que a humanidade se resvalasse nesta linha. Encontramo-lo a gritar a necessidade da Paz, pois quis resfriar os extintos de guerra no mundo; vemo-lo gritar humanidade, porque estamos num mundo cada vez mais desumanizado; ouvimo-lo proclamar a dignidade e grandeza da vida familiar – ele mesmo quis morrer nesse ambiente, rodeado dos seus, e não no hospital. Isto é também uma pregação contra a corrente, porque muitos morrem hoje desumanamente, fora do carinho familiar. Outra diferença que proclamou foi a da verdade contra as aparências. Quis apresentar-se sempre ao mundo com as debilidades que tinha e que se iam avolumando na sua vida, a ponto de muitos estranharem como era possível expor-se já tão deformado. Não era uma debilidade psíquica, era um propósito pastoral. Isto também tem mensagem. Cónego António Rego – Tenho estado a seguir as informações internacionais, na sequência da morte de João Paulo II, e impressiona o que há de presença da China, de Cuba, dos Islâmicos, dos Ortodoxos, dos Judeus. Seja o mundo crente ou pagão, é o mundo inteiro. Esta unanimidade sobre a importância deste homem como um marco na história, com um coração bom e próximo da humanidade, dá-me uma espécie de lição nova e interessantíssima pela forma como o mundo tem reagido à sua morte. Esta “policromia”, digamos assim, as cores, as raças, as religiões e as culturas mais diferentes, une-se no afecto e no reconhecimento do que ele dá na História. Destaco os seus valores, a sua fé, a sua perseverança, a capacidade resistir às tempestades, na linha coerente e forte que fez parte do seu ministério. “Não tenhais medo” é uma boa definição de João Paulo II. Padre Feytor Pinto – Não podia deixar de ser o facto do Papa, na sua acção pastoral, ter criado o Conselho Pontifício da Pastoral da Saúde. Penso que é, de facto, completamente inovador. Havia a Pastoral dos Doentes, mas o Papa foi muito mais longe, considerando que era muito importante dar a saúde integral aos doentes. E é engraçado que ele próprio redefine o conceito de ‘saúde’, no ano 2000. Enquanto que, normalmente, quando se fala de saúde, se diz que é o estado de bem-estar bio psicossocial e cultural, o Papa vai bem mais longe, numa definição preparada durante anos. Diz que é a harmonia integral da pessoa humana, através da superação dos limites bio psicossociais e culturais que levam à realização integral da pessoa no estado que vive. É uma definição com 4 elementos interessantíssimos. Posso dizer que o Papa deu uma demonstração disto nestes últimos dias de doença. Ele estava com a saúde integral dentro dos limites que tinha, porque ele se sentia realizado, por isso, até ao fim, lutou por uma vida na qualidade possível, tentando sempre oferecer mensagens. Padre Vítor Melícias – Marcou-me, como é lógico, a coerência interna de todas as posições tomadas pelo Papa, nas várias áreas. Aprecio, particularmente, o testamento que nos deixa da Doutrina Social e de envolvimento, mesmo directo, na luta pelas causas da defesa da vida, da dignidade de toda a pessoa humana e da defesa dos mais pobres e desprotegidos. De toda a literatura vasta que deixou aprecio particularmente a tomada de posição ao identificar a solidariedade com a virtude cristã da caridade. Ao ultrapassar antigos preconceitos sobre a filosofia dos direitos humanos, o Papa João Paulo II abriu também aqui as portas da modernidade, para que aquela aproximação de afecto e, de certo modo, de teologia que fez com as outras igrejas no movimento ecuménico e, sobretudo, no diálogo inter religioso – daí advém o “espírito de Assis”, tivessem condições para o grande passo numa globalização diferente e na civilização do amor, de que ele tantas vezes falou. Padre Dário Pedroso – Difícil será dizer qual foi a característica, pois foram tantas e várias e todas elas com um expoente enorme de grandeza. O sentido da defesa da vida, por exemplo, ou o grande trabalho que o Papa fez pelo ecumenismo, ou a maneira como defendeu os direitos humanos e lutou pela paz, ou ainda a sua maneira tão cativante perante multidões e, sobretudo, perante jovens – que estavam no coração do Papa e o Papa no coração dos jovens. Saíram tantas facetas espantosas do seu Pontificado! Padre Vaz Pinto – A sua coerência com a fé, assim como uma grande esperança, frutificou num amor universal. Foi isso que o levou quer no amor a Deus, quer à luta pelas, pelos direitos humanos, ao diálogo intercultural e inter religioso. Desassombradamente ele quis viver e dizer aquilo que julga estar certamente no Evangelho. O mais fundamental no Papa, a meu ver, foi ser um cristão até ao fim! Padre João Caniço – Duas características me impressionaram neste Papa: 1) homem de fé, de oração e de contemplação, com uma forte ligação a Deus e a tudo o que é espiritual (por exemplo, práticas de piedade e devoção a Nossa Senhora e aos Santos); 2) homem com uma visão ampla da Igreja e da Sociedade mundial e com uma grande capacidade de discernimento que o orientaram na oportunidade e na decisão de diferentes actuações, próprias do seu múnus de pastor universal. Neste sentido, apontou até para realizações que deveriam ter visto a luz do dia, mas que, por culpa de outros, não a chegaram a ver, como por exemplo, a anulação da Invasão do Iraque e a implementação do diálogo quer com a Igreja Ortodoxa Russa quer com o Governo da China Continental. Padre Peter Stilwell – É um grande homem de fé, que assumiu como nenhum outro Papa antes dele. Demonstrou também isso pelas suas viagens, assim como a vocação de Pastor universal, como nenhum outro antes dele. Isso faz parte da doutrina do I Concílio do Vaticano. Penso que pelas suas viagens e pela projecção da sua personalidade nenhum outro se destacou tanto nessa sua função. Padre Carreira das Neves – É um pouco difícil responder. Este Papa é caracterizado como o «Papa sem medo». Depois, o «Papa de fé». E como é sem medo e de fé é o Papa do Evangelho. Realmente pôs em prática aquilo que lemos em Mateus 28, quando Jesus impera aos Apóstolos: “Ide por tudo o mundo, pregai e baptizai…”. O Papa tinha fé e acreditava verdadeiramente que quem tem fé faz autênticos milagres – não no sentido físico, mas espiritual. Não há dúvida que tudo o que fez, nas viagens e nos escritos, é motivado por este paradigma evangélico. Ele tinha essa fé, esse carisma, esses dons. Veio do mundo nazi e arrastou aos seus ombros todo um passado comunista e também um presente cheio de ditaduras da extrema-direita. No meio deste mundo complicado, foi à frente como pai e pastor, não ficou parado no Vaticano. Fez tudo para que haja vida à luz de Deus e da humanidade. Este Papa foi o primeiro e único em muitas coisas. Esta Igreja estava muito à deriva, com muitas teologias – sobretudo da libertação da América Latina e não só – e muitas facções. Ele pôs ordem na Igreja, inclusive dentro da mesma, o que provocou grandes hemorragias. Com certeza que nos tempos vindouros veremos uma democratização da Igreja. O Papa tinha uma só palavra, uma só visão. Independentemente de se estar ou não em tudo de acordo com o Papa, é algo extraordinário ver o mundo inteiro render homenagem a ele! Padre Luís Rocha e Melo – O que mais me marcou foi a sua personalidade humana e espiritual, a sua abertura aos problemas do mundo, com uma afluência muito notável. A questão ecuménica, a sua fé, a sua espiritualidade são fortes características. Talvez fosse muito conservador, conforme lhe acusavam, mas era sobretudo um homem que optou pela fidelidade ao Evangelho e pela radicalidade evangélica, num amor sem barreiras nem fronteiras. Deu prioridade à vida pela dignidade humana, pelos pobres, pelo Terceiro Mundo. Contribuiu para o derrube do comunismo, mas também condenou fortemente o capitalismo selvagem, que provoca essas desigualdades existentes no mundo.

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