O contributo de João Paulo II para a Doutrina Social da Igreja (DSI) pode sintetizar-se em três capítulos: o conteúdo, a função e a fundamentação. Quanto ao conteúdo, poderíamos dizer que foi o papa da dignidade humana, dos direitos humanos e especialmente do direito à vida. Logo na primeira encíclica proclama que “o homem – cada homem, em toda a sua singular realidade do ser e do agir, da inteligência e da vontade, da consciência e do coração… na sua singular realidade… na plena verdade da sua existência, ser pessoal e ser comunitário e social – é o primeiro e fundamental caminho da Igreja” (RH 14). É o papa do direito à vida, numa luta constante contra a “cultura da morte”: “Urge uma mobili-zação geral das consciências e um esforço ético em comum para pôr em prática uma grande estratégia a favor da vida. Todos juntos devemos construir uma nova cultura da vida” (EV 95). Daí a sua constante luta em favor da paz e contra a guerra, a pena de morte, o aborto, a eutanásia e todas as situações de degradação da vida e da qualidade de vida, porque “o titular deste direito é o ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a concepção até à morte natural, e em todas as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência, de riqueza ou de miséria” (ChL 38). Neste capítulo dedica especial atenção aos mais débeis, proclamando a exigência estruturante da “opção pelos pobres”: “o amor ao homem – e em primeiro lugar ao pobre, no qual a Igreja vê Cristo – concretiza-se na promoção da justiça” (CA 58). Defendeu, por isso, os direitos dos povos indígenas ou o perdão da dívida externa dos países mais pobres e insistiu numa série de reformas dos organismos e mecanismos internacionais – comerciais, monetárias, financeiras, tecnológicas – e no “sacrifício de situações de lucro e de poder, usufruídas pelas economias mais desenvolvidas” bem como na necessidade de “importantes mudanças nos estilos de vida” (CA 52). Clarificou definitivamente a função da DSI, que se situa a um nível superior ao dos partidos ou sistemas políticos e económicos: “A Doutrina Social da Igreja não é uma “terceira via” entre capitalismo liberal e colectivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos radicalmente contrapostas” (SRS 41). E indicou como seus objectivos, interpretar a realidade à luz “do ensino do Evangelho” para orientar a conduta cristã. Mas é sobretudo ao nível dos fundamentos que dá o seu contributo específico: “a doutrina social tem o valor de um instrumento de evangelização”, porque “anuncia Deus e o mistério da salvação em Cristo a cada homem e, pela mesma razão, revela o homem a si mesmo. A esta luz, e somente nela, se ocupa do resto: dos direitos humanos, da família e da educação, dos deveres do Estado, do ordenamento da sociedade nacional e internacional, da vida económica, da cultura, da guerra e da paz, do respeito pela vida desde o momento da concepção até à morte” (CA 54). Estes dois fundamentos – a centrali-dade em Jesus Cristo e o primado da dignidade da pessoas – estão em íntima ligação: “O mistério do homem só no mistério do Verbo incarnado se esclarece verdadeiramente” (GS 22). Portanto, proclamava o Papa, “pode dizer-se, com uma expressão audaz, que os direitos humanos são também direitos de Deus. Por isso, a sua tutela e promoção pertencem ao núcleo central da missão da Igreja”. Por outras palavras, “descobrir e ajudar a descobrir a dignidade inviolável de cada pessoa humana constitui uma tarefa essencial, central e unificadora do serviço que a Igreja é chamada a prestar à família dos homens” (ChL 37). José Dias da Silva