Nuno Camelo, Arquidiocese de Évora
O tempo da Igreja é a afirmação de Cristo e este tempo é de encontro, não pode ser de outra coisa qualquer.
Temos tido muito a tendência de assumir que (i) a JMJ 2023 é de Lisboa (de todo um Portugal), (ii) que acontecerá em agosto, (iii) que contará com um encontro com o Papa e (iv) que terminará naqueles dias quentes de verão. Pois o tempo passa, o passo acerta e os corações exaltam-se para que exultem neste caminho, e é aqui que reside o segredo mais mal guardado de sempre. Passo a explicar…
(i) A JMJ LISBOA 2023 é um momento do mundo, da Igreja reunida e da Igreja dispersa, dos fiéis convictos e dos crentes em caminho, dos envergonhados da Fé e dos desavindos com Deus, dos fortes por convicção e dos fracos por direito, dos sobreviventes do tempo e dos conquistadores do espaço, de homens, mulheres, anciãos e jovens, adolescentes e crianças, famílias e comunidades. A JMJ é um pedaço de bom e firme caminho em tantas veredas mal vincadas por esse mundo. A JMJ é luz que só assim se reconhece porque um momento, um dia, uma vida, nos encontrámos no escuro do vazio e na penumbra da solidão.
A JMJ é a festa do mundo moderno, abraços com uma Igreja que se quer em saída em caminho sinodal, capaz de ir e voltar das periferias, com uma grandeza de quem chega, acolhe, conhece, transforma e ama os que para si olham, e quando volta, o faz revigorada, convertida também para a pequenez, para a proteção dos mais fracos, para a ajuda dos mais pobres e para a renovação. A JMJ não é da Lisboa portuguesa nem do Portugal deste país, ela é um tempo do mundo que reclama, por que acredita ainda, que a Fé move montanhas sem nunca as retirar do sítio.
Viver esta oportunidade é saber já que não nos pertence porque sim, mas que antes, terá que ser conquistada como tudo na vida, e essa conquista, por mais que se pareça como uma demanda de todos, ao mesmo tempo, em todos os lugares, é muito menos do que isso porque se torna muito mais do que tudo, é verdadeiramente um encontro com Jesus Cristo Vivo, vivificante, presente, transformador, arrebatador e capaz de seduzir para uma vida nova. Jesus vive se deixarmos que essa vida nos inunde, se ao colocarmos o pé sobre as águas, não tivermos medo de afundar no frio do mar e, a partir dessa imersão, voltar à superfície completamente enxutos do mundo. Jesus vive em cada um e quando entendermos que é de nós que Ele anda à procura, vamos deixar de o procurar incessantemente, porque Ele já está em nós, e aí o leme não mais fica vazio, nem nós no fundo do barco a reclamar que nos abandona no meio da tempestade e aí, nesse momento, a JMJ é o momento do mundo todo dentro daquele barco no centro do lago, sem pressa para voltar à margem, sem pressa de deixar Jesus…
(ii) A JMJ LISBOA 2023 é um caminho, não é uma chegada. Quem me garante a mim que possa estar a viver isto tudo em agosto, rodando a cabeça e descobrindo os outros de mãos dadas nas minhas? E quem me diz a mim que o Papa lá do alto da sua simplicidade de Deus, encontra os meus olhos no meio da multidão a entoar o cântico de Pedro? Quem me diz que a JMJ acontecerá naqueles dias, é porque ainda não entendeu o que acontecia “naquele tempo”. O tempo, aquele, de que tão bem e tantas vezes nos falam as Sagradas Escrituras é o meu tempo, o tempo da minha vida, a minha vida sem tempo, eu a correr agora, eu a desconfiar que não corro depois. Eu agora a não entender o mundo, eu ali a combater o mundo, eu mais lá a fugir do mundo.
O tempo é o meu agora, porque os jovens são o agora de Deus, são a aposta total e toda neste dia, são a vontade para lá do querer, são a força para lá do esforço, são a afirmação para lá do sim, são a luz para lá do encandear. A JMJ começou a ser vivida desde o momento em que Jesus nos sonhou, nos quis tanto que nos permitiu crer também, ser também, amar também. Não haveriam sicómoros suficientes para que o quiséssemos nós ver sem acharmos sermos vistos e ainda assim, todos os dias deste caminho, Ele nos chama porque afirma querer ficar em nossa casa, e quando chegamos, a nossa casa já não é, abriu-se ao mundo, modificou-se, tornou-se ampla, viva, limpa e capaz de ser de todos os tempos.
A preparação para a JMJ não existe, o que existe é encontro com Jesus a acontecer em cada oportunidade desse caminho eterno que nem sabes quando se iniciou e que não acaba nunca, e aí, quanto mais queres preparar, menos Cristo. E aí, quanto mais queres ser o primeiro da primeira fila, menos Cristo. E aí, quanto mais queres a perfeição, menos Cristo. Cristo não é do dia ou da noite, ou do calendário que o Homem inventou para ter dias sim e dias não obrigado. Cristo não é da data, nem da hora, nem do local, Cristo é só por ti e para isso não existe hora marcada nem hora combinada nem hora curta ou apressada. Cristo está vivo, fora da Cruz, amando nela a vida e querendo que tu O ames pela vida. Encontra-te com Cristo que o tempo importa pouco…
(iii) A JMJ LISBOA 2023 é um encontro com Cristo, na beleza inconfundível das Palavras de Vida que saem da boca de Francisco, doce e eterno Francisco, como doce e eterno é São João Paulo II, capaz de nos convocar a todos, como doce será o próximo Papa porque é de Jesus Cristo Vivo. Mas não é de um encontro com o Papa que se trata, é verdadeiramente de um encontro com Jesus. Mas não será um Jesus de altares, nem de mesas postas, nem um Jesus de olhos sonhadores com o futuro, enquanto tentas adormecer no chão ou enquanto os olhos se cerram no trepidar do comboio vindo da outra margem. Não será um Jesus dos bonitos, ou dos ricos, ou dos bens vestidos porque estão na moda com o dress code JMJ. Não será um Jesus de cânticos entoados ou de violas afinadas. Não será um Jesus de palavras, será um Jesus de atos que vais querer para a tua vida a partir daquele encontro que até pode ser o primeiro para tantos como eu.
Será um encontro com os poucos de entre os poucos que não olham para o que veem, mas olham para o que trazem dentro. Será um encontro com o Jesus da pobreza que vive sempre para combater os malefícios de nos acharmos “riquinhos” e “mostráveis”. Será um encontro com Jesus na periferia da minha vida, nos bairros de lata das minhas ações, na mais mal frequentada e guetizada rua do meu rol de aspirações, no cenário de guerra onde vivem os meus medos mais sombrios, no entreposto do mercado negro onde troco as minhas más ações por perdão embalado entre as mãos que ponho. Não será um encontro bonito à partida, nem que se possa confundir inicialmente com festa ou com loucura partilhada pela embriaguez da idade, será feio, porque será sério, será duro porque será sobre ti, é sempre duro quando é sobre nós, não tem assim tanta magia quando é sobre a nossa verdadeira vida, a minha vida colocada a descoberto quando Jesus entra sem pedir e escancara tudo para que possamos ver tudo.
E aí até parece que a multidão desapareceu, e que fica assim uma imagem de fundo com um desfoque que faz com que eu me esqueça com quem estou, não conheço já ninguém porque Jesus me chamou. Sinto uma volta no estomago e uma rigidez nas costas, uma aragem fria que me percorre a coluna e umas mãos permanentemente a brincar com uma dezena de madeira. É um encontro contigo, com a tua vida, com o Jesus que te abraça porque te conhece todo, porque sabe quem tu és, por onde andas, o que vais fazer a seguir. Não poderia ser de outra forma, com muitos ou com poucos e por isso tudo deixa de interessar ali, a não ser a presença de Jesus na tua vida, naquela vida que não vias porque ainda não eras de Jesus.
O tempo da Igreja é a afirmação de Cristo e este tempo é de encontro, não pode ser de outra coisa qualquer…