Jesus segundo Ratzinger

O livro “Jesus de Nazaré”, de Bento XVI, a primeira obra escrita desde a sua eleição como Papa, chega esta Quarta-feira às livrarias do nosso país. A edição em português é da responsabilidade da Esfera dos Livros. O teólogo Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, apresenta uma “tentativa de apresentar o Jesus dos evangelhos como o Jesus real, como o ‘Jesus histórico’ em sentido verdadeiro e próprio”. O título simples não esconde décadas de trabalho de Joseph Ratzinger, apresentando, numa linguagem teológica narrativa, uma busca pessoal do “rosto do Senhor” e procurando demonstrar a coincidência entre a dimensão religiosa e a dimensão história de Cristo. Ao longo dos séculos, de forma mais ou menos espectacular, têm chegado teorias muito diversas sobre a vida de Jesus, muitas vezes com a pretensão de serem a “resposta definitiva” para as questões que se levantam. A questão de Jesus permanece sempre em aberto, não porque seja impossível de resolver, mas, citando Tolentino Mendonça, porque esse carácter enigmático é uma espécie de “marca genética” que está presente logo no Novo Testamento, que já inclui a diversidade em volta da pessoa de Jesus. O Papa, neste livro, procura responder às tendências do actual contexto cultural, que procuram distanciar o Jesus da história do Cristo da fé, quase ignorando as respostas “institucionais” sobre a figura central do Cristianismo. Os factos históricos, contudo, podem estar ao serviço da fé. Ao longo de 10 capítulos, Bento XVI mostra-se atento aos dados da pesquisa moderna sobre Jesus e apresenta o Jesus dos Evangelhos como o verdadeiro Jesus histórico, “uma figura sensata e convincente a que podemos e devemos fazer referência com confiança e sobre a qual temos motivos para apoiar a nossa fé e a nossa vida cristã”. “Acreditar que era precisamente como homem que Jesus era Deus”, assinala, “vai para além das possibilidades do método histórico”. O Papa considera que no texto bíblico se encontram todos os elementos para afirmar que a personagem histórica de Jesus é também “efectivamente o Filho de Deus que veio à terra para salvar a humanidade”. Bento XVI expõe um resumo dos diversos resultados da investigação científica sobre quem era o evangelista João. Abrem-se ao leitor novos horizontes que revelam Jesus, de modo cada vez mais claro, como o “Verbo de Deus” feito homem para a nossa salvação, como o “Filho de Deus”, que veio a reconduzir a humanidade à unidade com o Pai. O Jesus que encontramos nos Evangelhos é, para o Papa, “muito mais lógico do ponto de vista histórico e também mais compreensível do que as reconstruções com que nos tivemos de confrontar nos últimos anos”. Bento XVI entra na discussão à volta, numa questão, que desde logo, desperta a atenção: há uma verdadeira história de Jesus? A verdadeira história de Jesus não está na Bíblia? A figura dos Evangelhos é credível? “Eu tenho confiança nos Evangelhos”, afirma, com convicção. No livro há um alerta: “a interpretação da Bíblia pode tornar-se um instrumento do Anticristo”, se seguir caminhos errados. Aqui, o Papa faz questão de sublinhar que a pessoa divina de Jesus não é algo que a Igreja inventou séculos depois da sua existência. Partindo da análise dos títulos que, segundo os Evangelhos, Jesus utilizou para si – como “Filho do homem”, “Filho” e “Eu sou” -, refere que este último, o misterioso nome com o qual Deus se revelou a Moisés, “deixa entrever que Jesus é Ele próprio Deus”. O Papa adverte que a obra não foi escrita contra a exegese moderna, mas alerta que “os piores livros, destruidores da figura de Jesus, desmanteladores da fé, estão cheios de supostos resultados da exegese”. Este livro, cuja redacção se iniciou em 2003, continuou em “todos os momentos livres” desde que Joseph Ratzinger foi eleito Papa. Uma segunda parte do livro, dedicada à infância de Jesus, será publicada mais tarde. Igreja e Cristianismo O livro vai para além da questão da investigação histórica sobre Jesus e fala da Igreja, do Cristianismo e do mundo actual. Jesus, observa, não trouxe outra coisa que não “Deus” e a verdade sobre o destino e a origem do ser humano. O Papa insiste, por isso, no primado de Deus e afasta a ideia que a Igreja se deva preocupar “antes de tudo, com o pão para dar de comer ao mundo”. Jesus, escreve, “não é indiferente perante a fome dos homens, das suas necessidades materiais, mas coloca-as no seu contexto e na sua ordem justa”. Contra um “messianismo” materialista, visível no marxismo,o Papa assinala que “quando Deus é considerado como uma dimensão secundária, que se pode colocar de lado em nome de coisas mais importantes, então as coisas supostamente mais importantes fracassam”. Bento XVI diz, numa referência a correntes como a Teologia da Libertação, que “nenhum reino deste mundo é o Reino de Deus” e denuncia a tentação de querer interpretar o Cristianismo “como uma receita para o progresso e considerar a busca do bem comum como o verdadeiro objectivo de qualquer religião”. Querer saber o que deve “fazer um salvador do mundo” é uma tentação que atravessa toda a vida de Jesus e a história da Igreja, dado que “a fé sempre correu o risco de ser sufocada pelo abraço do poder”. O Cristianismo, diz o Papa, não deve ser confundido com “água açucarada”, lembrando que está sempre presente “o escândalo da cruz” que ainda é insuportável para muitos. Nesse sentido, explica que “a verdadeira moral do Cristianismo é o amor” e que o Cristianismo “é o caminho da verdade, aberto a todos”, mesmo a ateus e aos que “declararam como norma de consciência a sua opinião e os seus desejos, elevando-se a si próprios como critérios”. Num capítulo dedicado aos “paradoxos” das Bem-Aventuranças, que exprimem “a verdadeira situação do crente no mundo”, Bento XVI indica que o amor se opõe “ao egoísmo, é um êxodo de si mesmo, mas é assim que o homem se encontra”. O livro aborda ainda as parábolas do Evangelho, em especial a do Bom Samaritano, que é apresentado como um “ícone da compaixão”, através do qual Cristo ensina que “não se trata já de estabelecer quem, entre os outros, é o meu próximo, mas trata-se de mim: eu devo tornar-me o próximo”. A actualidade da parábola é, segundo o Papa, “óbvia”: os povos da África, caídos por terra, “olham-nos de perto”. “Nós levamos-lhes o cinismo de um mundo sem Deus, onde apenas contam o poder e o lucro”, lamenta. Daqui parte a exortação de aprender o “risco da bondade”, procurando ir para além da simples “ajuda material” para auxiliar “as vítimas da droga, do tráfico de pessoas, do turismo sexual”. Por isso, há espaço para a discussão e o confronto com a obra. É o que o próprio Papa faz: “O que é que aconteceu nos vinte anos que se seguiram à crucifixão de Jesus?”, pergunta, por exemplo. “A acção de formações comunitárias anónimas, cujos mentores se procura descobrir, na realidade não explica nada. Como é possível que grupos desconhecidos pudessem ser tão criativos, convencer e deste modo impor-se? Não é mais lógico, mesmo do ponto de vista histórico, que a grandeza do fenómeno se encontre no princípio e que a figura de Jesus, na prática, tenha feito saltar todas as categorias disponíveis e deste modo tenha sido possível compreendê-la apenas a partir do mistério de Deus?”, é a sua resposta, também em forma de pergunta, deixando um desafio ao leitor. 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