“Jesus é o Messias de Deus”

Homilia do Patriarca de Lisboa na Noite de Natal 1. O Menino que nasceu em Belém é o Messias prometido. A esperança da vinda do Messias como intervenção definitiva de Deus na História do povo com quem fez aliança, é fortemente reavivada na profecia de Isaías. E o anúncio feito pelos Anjos aos Pastores, naquela noite em Belém, é messiânico: “Anuncio-vos uma grande alegria para todo o Povo: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc. 2,10-11). O nascimento de Jesus é, para o Povo da Aliança, o cumprimento da grande promessa de Deus. Por isso, é motivo de alegria para todo o povo. Cristo é a manifestação definitiva da fidelidade de Deus. A origem desta promessa tem a ver com a função dos reis de Israel que, em nome de Deus, conduziam o Povo na fidelidade à Aliança, construindo um Reino onde abundassem a justiça e a paz. Os reis eram, no espírito da Aliança, os pastores de Israel. A infidelidade dos reis, levou a que Deus lhes retirasse essa dignidade de serem os pastores do Seu Povo. O Profeta Ezequiel diz a esses pastores de Israel que Deus lhes retirará o cuidado do Seu rebanho, e que Ele, o próprio Deus, tomará conta do Seu rebanho: “suscitarei para pôr à sua frente um pastor que os apascentará, o meu servo David” (Ez. 34,23). O Santo Rei David ficará na memória de Israel como um rei justo, que apesar do seu pecado, foi pastor de Israel. O anúncio do Rei Justo, verdadeiro Pastor de Israel, aparece sempre ligado à herança espiritual de David. Na tradição oficial, o Messias será um descendente de David, que será um bom pastor de Israel, e o conduzirá à fidelidade ao pacto de aliança. O drama espiritual de Israel consiste em viver a sua história em tensão, entre os descendentes de David, os reis segundo a carne, que se tornaram “maus pastores” e a esperança no verdadeiro descendente de David, que Deus fará surgir no tempo oportuno, a plenitude do tempo, e que será o “Bom Pastor”, que instaurará um Reino de Justiça e de Paz. Há momentos em que esta tensão se sente de maneira dramática. É o caso do diálogo de Isaías com o Rei Acaz: o profeta tenta levar o rei a ser o “bom pastor” de Israel, num momento difícil da sua história. Perante a recusa e a incredulidade do rei, o profeta anuncia essa outra descendência de David: “O próprio Senhor te dará um sinal. Ei-lo: a Virgem conceberá e dará à luz um Filho, a quem chamará Emanuel” (Is. 7,14). Este anúncio é tão denso que é, para o profeta, quase uma realidade palpável. O Povo pode desejar um tempo de justiça e de paz, “porque um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Tem o poder sobre os Seus ombros e será chamado «Conselheiro Admirável», Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz” (Is. 9,5). Ao identificar a sua acção junto do Povo, Isaías vê neste Menino aquele que cumpre a profecia de Ezequiel: o próprio Deus será Rei e Pastor do Seu Povo. Esta tensão entre a dupla descendência de David prolonga-se até ao tempo histórico de Jesus. Todos desejam a vinda do Messias. Para uns, Ele seria um Rei forte, capaz de vencer os inimigos do Povo, mas descendente de David segundo a carne. Outros, as comunidades espirituais, os pobres e os simples, já não acreditavam que um rei terreno pudesse salvar Israel. Para eles o Messias tinha de ser um dom de Deus, um “Filho do Homem” que aparecesse sobre as nuvens do Céu. Jesus recusa sempre que se aplique a Si mesmo o messianismo oficial. Só o aceita explicitamente no pretório de Pilatos, quando está a ser julgado. À pergunta de Pilatos, “portanto Tu és Rei”, Jesus responde: “Tu o dizes, Sou Rei. Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade”. Mas antes tinha deixado tudo claro: “o Meu Reino não é deste mundo” (Jo. 18,36-37). Jesus gostava de se chamar a Si mesmo o “Filho do Homem”, suscitando o entusiasmo em quantos seguiam essa tradição messiânica. Mas enquanto estes esperavam um Messias a surgir triunfalmente sobre as nuvens do Céu, Jesus, verdadeiramente obra de Deus, nasce discretamente do seio virginal de Maria. “Um Menino nasceu para nós”! Essa foi a surpresa de Belém. 2. O nascimento em Belém confirma a ascendência davídica do Messias, não segundo a carne, mas como novidade e surpresa de Deus, unificando as duas tradições messiânicas. Jesus pode chamar-se, a Si Mesmo, o “Filho do Homem”, porque Ele nasceu de Deus, foi gerado pelo Espírito Santo, no seio virginal de Maria. Ele é, como os reis de Israel, o Messias, isto é, o ungido. Mas não o foi por nenhum sacerdote do templo, mas pelo próprio Deus, no momento em que a Sua divindade se exprimiu na humanidade. O mistério da encarnação é a sua “unção” messiânica. O próprio Jesus o afirma, designando-Se como “Aquele que o Pai consagrou (ungiu) e enviou ao Mundo” (Jo. 10,36). Ao nascer em Belém, Jesus afirma-Se como o prometido Rei Justo, descendente de David, que será o “Bom Pastor” e trará a salvação a Israel. Ao nascer de Deus e de Maria, afirma-Se como iniciativa salvífica de Deus, manifestação da Sua eterna fidelidade. O anúncio do Seu nascimento só podia ser feito aos “pobres” de Israel, neste caso os pastores. Os poderosos não estavam preparados para acolher este anúncio. Eles estão todos representados na figura do Rei Herodes, que ao ter notícia da hipótese de ter nascido o Messias Rei, o considera um perigo e um adversário, a eliminar o mais rapidamente possível. Esta “tensão” entre as duas maneiras de conceber a descendência de David, acompanhará Jesus em toda a Sua vida terrena, e será a causa da Sua morte. Foi considerado blasfemo porque Se considerou “Filho de Deus”. Ele não era o Messias que os poderosos do Povo estavam preparados para acolher. E os sumo-sacerdotes conseguiram fazer o que já Herodes tinha tentado com a matança dos inocentes. Esta tensão há-de atravessar a humanidade até àquele momento decisivo em que a Sua glória se há-de manifestar. Até lá permanece a pergunta: mas afinal quem é Jesus Cristo? Uma personagem histórica, situada num contexto preciso? Mais um Profeta, com uma mensagem interessante? Ou é a surpresa de Deus, manifestação do Seu amor por nós, um dom de Deus, um “Bom Pastor” que nos traz a salvação? Como naquela noite em Belém, só os simples de coração O poderão acolher como o Mensageiro de Deus, o que nos traz a salvação; reconhecer como faz Paulo na Carta a Tito, que n’Ele “se manifestou a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tit. 2,11). Só os corações simples podem alegrar-se com Jesus como surpresa e dom de Deus. “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o Povo: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc. 2,11). O anúncio do Anjo abre para o mistério daquele Menino. É o Messias. Chama-lhe o “Ungido”. Mas ao chamar-lhe Senhor, abre o véu do Seu segredo divino, e resume a Sua missão: glorificar a Deus e construir a paz. Esta paz é obra do amor e encontra todo o seu esplendor na participação do amor do Pai e do Filho. No momento solene da Sua Páscoa, plena realização da Sua missão messiânica, Jesus reza ao Pai: “Glorifiquei-Te sobre a terra, porque acabei a obra que Tu Me tinhas mandado realizar” (Jo. 17,4). “Pai Santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste, para que sejam um como Nós” (Jo. 17,11). “Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo. 14,2-7). 3. Este é um aviso, para os homens do nosso tempo, em noite de Natal. Nem todas as expressões de festa com que assinalamos esta quadra nos trazem a paz de Deus e a alegria do coração. Acolhamos a surpresa do dom de Deus, que continua a ser-nos dada naquele Menino, nascido para nós, expressão da paternidade amorosa de Deus. Sé Patriarcal, 24 de Dezembro de 2006 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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