Quaresma no mundo: O silêncio, a harmonia e o sentido de comunidade nos 40 dias que preparam a Páscoa no Japão

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O ambiente único para a prática religiosa cristã, a oriente, que o missionário da Boa Nova, o padre Adelino Ascenso, aprendeu a respeitar e a amar

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«No Japão reza-se em silêncio. Mais do que por palavras, rezamos sentindo a força do silêncio. Na Eucaristia devemos valorizar os momentos de silêncio e no Japão são muito valorizados».

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Em 1998 chegou ao Japão para ali viver durante 12 anos.

“Foi um tempo extraordinariamente saboroso”, explica à Agência ECCLESIA, onde “o fascínio é absolutamente proporcional à dificuldade”.

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«Quando ali chegamos passamos por uma «Kenosis» total, tornamo-nos bebés, não entendemos nada. Passamos muitos meses a celebrar a missa em silêncio, sem perceber. Somos postos à prova diariamente. Passamos por uma desconstrução dos nossos conceitos, mesmo da imagem de Cristo. Tudo no japão é diferente, tem a ver com a inculturação.»

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Durante dois anos o padre Adelino Ascenso aprendeu o japonês: “quatro horas por dia, na escola e com muito trabalho em casa”.

“No primeiro ano vivi com um missionário espanhol. No segundo ano fui viver com um padre japonês e estava em contacto com o mundo oriental todo o dia. Isso ajudou-me muito. No segundo ano comecei a preparar uma homilia dominical por mês. Ia entrando em contacto, conversando com os fiéis, recebia algumas correções. E comecei a trabalhar oficialmente em duas paróquias, com muitos erros, claro.”

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«Faz-nos falta o silêncio exterior, o interior, o silêncio que nos leve a interrogar o sentido da vida, que nos leve ao interior para sentirmos o pulsar do coração».

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A preparação para o tempo de preparação

A Quaresma é o tempo de 40 dias que tem início com a celebração de Cinzas, marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência, que serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão.

No Japão este é um tempo marcado pela cultura própria.

“No Japão é necessário a preparação para o tempo de preparação. Isto parece algo metafórico, mas, no Japão, preparamos muito as coisas. Há muitas reuniões prévias a eventos e celebrações. E há reuniões para preparar a preparação”, relembra o missionário da Boa Nova que durante 12 anos viveu e preparou Quaresmas com o povo nipónico.

Os 40 dias “significam toda a nossa vida”.

“A nossa vida é sempre uma preparação. O tempo de Quaresma é um caminho de luz que nos orienta rumo a uma meta, que é precisamente, a morte e a ressurreição”.

O missionário sublinha o quanto, num tempo de instantaneidade, é necessário preparar, cultivar o silêncio.

“Por vezes andamos distraídos e não conseguimos encontrar tempo interior para a preparação. Isso é um drama da atualidade”.

Nesse sentido, a Quaresma é um tempo propício para “escutar o silêncio, porque nesse silêncio está precisamente a voz de Deus”.

E o processo de silenciar é pessoal.

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«Há um termo japonês que significa «um tempo, um encontro» que aponta a necessidade de valorizar cada momento da trivialidade da nossa vida. Esse encontro nunca se repete, não há um tempo que se repita».

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“Vamos tendo muitos encontros ao longo na nossa vida, mas andamos distraídos e não nos apercebemos da intensidade desses momentos diários, aparentemente banais, com significado tremendamente importante na vida. Na trivialidade da nossa vida, no café, no autocarro, deixar ser interpelado por alguém ou pelo seu olhar… Valorizar estes momentos é preparar a nossa vida”.

A vivência quaresmal no Japão varia consoante os lugares e as paróquias.

Recorda o missionário da Boa Nova que numa paróquia, numa eucaristia com 12 fiéis, a vivência era muito intensa.

“Paróquias pequeninas levam as pessoas a viverem a Semana Santa e a Quaresma com mais intensidade, como se fossem uma família. Tomam um chá juntos, conversam”.

A preparação dos catecúmenos era outra aposta pastoral assim como a área social.

“Todas as semanas os fiéis se reuniam para preparar comida e distribuir aos sem-abrigos, também há muitos no Japão”, indica o padre Adelino Ascenso.

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«Neste tempo as pessoas ficam mais sensíveis e os japoneses têm uma grande sensibilidade. Tem a ver com a harmonia e a mentalidade de grupo. Eu não existo sozinho, mas faço parte de um grupo, seja o bairro, a empresa, a escola, a aldeia. Há uma grande solidariedade. Se o meu irmão está a sofrer eu vou lá ajudá-lo».

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«A última paróquia onde estive antes de regressar a Portugal, é grande na arquidiocese de Osaka, mas tornou-se muito conhecida por causa de um samurai Takayama Ukon, conhecido como «Samurai de Cristo», beatificado a 7 de fevereiro de 2017. No Séc. XVI tinha aí o seu castelo. Nesta paróquia vivia-se com muita intensidade, em especial na Semana Santa, que exigia muita preparação. Valorizava-se muito a liturgia e havia grande preparação em toda a Quaresma».

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A cultura japonesa

Harmonia, escondimento e o silêncio são elementos constitutivos da cultura japonesa, por vezes despercebido na vida quotidiana, mas presente no coração de cada nipónico.

A palavra «harmonia» foi introduzida na Constituição, em 604, no século VII, com o objetivo de ser preservada.

“A harmonia do grupo, da aldeia, da empresa, do bairro”, que se relaciona com a “cultura do escondimento”.

“Para não fazer trepidar a tal harmonia de grupo o japonês guarda para si o que pensa e sente”, indica o padre Adelino Ascenso.

Este agir assenta também na história de 250 anos de perseguição cristã que levou à prática religiosa em segredo.

O cristianismo continua a ser uma minoria. Quando em 1549 o jesuíta Francisco Xavier chegou registaram-se conversões que devido às perseguições “intensas e sistemáticas” com início em 1641, desapareceram.

“Os cristãos refugiaram-se em Nagasaki e nas ilhas de Goto e, escondidos, foram passando as suas orações de geração em geração, batizando filhos e netos, porque os padres foram expulsos do país. Eles escondiam a sua fé e transmitiam as orações aos filhos e netos durante 250 anos até à 2ª entrada no cristianismo no Japão.

O papa Francisco diz que a Igreja japonesa é uma minoria mas muito apreciada pelo serviço social e educativa que presta, independentemente da religião das pessoas.

No Japão há cerca de 440 mil católicos, 0,34% em 128 milhões.

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«A valorização do silêncio que não se experimenta nas grandes cidades de Tóquio ou Osaka, onde a vida é de grande azáfama mas estes elementos fazem parte do alicerce cultural e estão no coração de cada japonês mesmo que no dia-a-dia não consigam vivê-lo».

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«Neste momento não há perseguições, a Igreja católica tem 16 dioceses, três são arquidioceses. Há cerca de 850 padres japoneses e 570 padres estrangeiros a viver e trabalhar lá».

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«O termo que o Papa usa de «coração gelado» – eu senti esse termo no meu interior. Um coração gelado está morto e mata. Nunca podemos perder a oportunidade de ser misericordioso, na Quaresma mas em todo o tempo, porque a Quaresma significa a nossa vida».

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Remédio doce para a Quaresma

A oração, a esmola e o jejum é o “triângulo que faz parte do alicerce da vida de cristãos”, “da nossa vida de sermos humanos, que nos ajudam a purificarmo-nos interiormente”, apresenta o padre Adelino Ascenso.

O Papa Francisco indicou este ano, na mensagem quaresmal, que os três instrumentos são o “remédio doce” para a Quaresma.

“A esmola significa que não somos os únicos detentores do que possuímos. Estamos todos interligados, somos fios de uma rede, alguns rebentados, outros cheios de força, mas todos interligados. A esmola ajuda-nos a purificar, a abrir o coração, ajuda a derreter o gelo que pode existir no nosso coração”.

SN/LS

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Agência ECCLESIA

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