Já não importa nada ter um Pai?

Padre Vítor Pereira, Diocese de Vila Real

Foi notícia por estes dias que nasceu em Portugal o primeiro bebé por inseminação pós-morte do pai. Algumas pessoas exultaram com o feito, e quando nasce uma criança desejada e com saúde todos exultamos, certamente. Mas são muitas as perguntas e as dúvidas que estes procedimentos levantam, e vou fazê-lo como observador inquieto, sem a competência e o rigor que um moralista qualificado ou um erudito especialista das ciências da vida tem.

Nos últimos anos, fomos acompanhando a luta de uma jovem mulher para poder engravidar do marido já falecido, intenção que, como se pode adivinhar, levantava muitas questões éticas. O parlamento português, sensibilizado com a questão, acabou por aprovar em 2021 a legislação que permite a realização de tal propósito, desde que preenchidos alguns requisitos, aprovando uma procriação medicamente assistida post-mortem (depois da morte do companheiro ou marido). Uma mulher passou a poder engravidar do seu parceiro ou marido falecido.

Os principais especialistas nestas matérias, como é o caso do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a Associação Portuguesa de Fertilidade e o Conselho Superior do Ministério Público, bem como médicos especialistas em Bioética, deram pareceres negativos quanto à aprovação da lei, que se reveste de uma grande complexidade ética. Foram emitidos dez pareceres desfavoráveis. E é estranho verificar como, apesar desta unanimidade dos grandes peritos e autoridades no assunto, não há um único parecer positivo, o legislador avançou com a proposta e aprovação da lei. É lamentável constatar que alguns partidos políticos só veem fanaticamente a sua cartilha ideológica e deixaram de ter a mais elementar prudência e virtuosa sensatez na aprovação das leis, ponderando a devida justiça e retidão, assim como todos os interesses e bens que estão em jogo, que levianamente abordados, poderão ter consequências imprevisíveis. Parece-me que é do mais elementar bom senso o parlamento não andar ao sabor do sentimentalismo e da onda do momento, nem andar ao sabor de causas de duvidoso progresso humano e social, que nos poderão arrastar para a confusão e para grandes embrulhadas éticas. E se o objetivo é continuar a segurar a bandeira do progressismo ou até conquistar eleitorado, mais reprovável se torna.

A Associação dos Médicos Católicos Portugueses foi perentória: «não nos é alheia a dor experimentada por uma mulher com a morte do marido, bem como o seu desejo natural de ter dele um filho. Porém, para responder a esta compreensível, porém, impossível vontade, este projeto de lei permite que uma criança seja artificialmente concebida, instrumentalizada, de forma a satisfazer-se um desejo de uma mulher adulta».

O mundo atual tem uma noção de felicidade que passa pela concretização de todos os sonhos e desejos, mas, na vida real, nem todos os sonhos e desejos são aceitáveis e se podem realizar, como é este de querer ter um filho do companheiro já falecido. Há desejos e sonhos que têm de morrer. Está em jogo outra vida humana, que tem a sua dignidade, e que, de forma premeditada, nunca vai ter e conhecer o pai. Penso que jamais alguém deve ter o direito de tirar esse direito a outra pessoa, por muito romântico e sentimental que seja o seu desejo. Uma criança não deve ser arrastada, quem sabe, para um luto mal gerido, ou ser instrumentalizada para se realizar egoisticamente um capricho ou uma obsessão, ou prestar uma homenagem a um falecido. Tudo isto é um atentado à dignidade da pessoa humana.

Alguns poderão argumentar que muitas crianças não conheceram o pai e não deixam de ser crianças ou adultos normais, outras até foram criadas pelos avós ou pelos tios, ou até em casas de acolhimento, e não veio mal nenhum ao mundo, são pessoas perfeitamente normais e equilibradas como as outras. É verdade. Mas isso são as circunstâncias da vida, e o ser humano é sábio e criativo em arranjar soluções para agasalhar e proteger a vida. Outra coisa é fazê-lo de forma premeditada. Um pai e uma mãe são duas figuras importantes no crescimento de uma pessoa humana. A ninguém deveria ser tirado o direito de ter e conhecer o pai.

Não deixa de espantar como é que a suprema regra do superior interesse da criança, escrupulosamente respeitada e adorada nos atuais códigos legislativos e nas contendas familiares e jurídicas, neste caso é completamente desvalorizada. Achamos normal gerar uma criança a quem, de forma concertada, não vamos permitir ter e conhecer o pai? Achamos que isso não tem qualquer relevância para o crescimento e estabilidade humana, afetiva e social da criança? Não corremos o sério risco de estarmos a criar um fantasma que pode marcar indelevelmente a psicologia de uma pessoa humana e gerar um drama insuperável?

E vejo com preocupação o estilhaçar da família tradicional, que ainda ninguém provou não ser o melhor espaço e ambiente para se crescer bem como pessoa humana, com um pai e uma mãe.

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Agência ECCLESIA

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