Irmã Maria Clara

João César das Neves

Temos mais um português a subir aos altares. Libânia do Carmo Telles de Albuquerque, nascida na Amadora em 1843 e falecida em Lisboa a 1 de Dezembro de 1899, ficará para sempre conhecida como a agora beata, um dia santa Maria Clara do Menino Jesus. Externamente a sua obra é a fundação da CONFHIC, a Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Mas ela esconde uma história paradoxal que nos interpela mais de cem anos depois.

O aspecto mais saliente é a perseguição religiosa. O regime liberal instalado em 1934 foi endemicamente anti-cristão, situação que manteve, com altos e baixos, durante quase cem anos. Libânia do Carmo nasceu num período de acalmia, pois há menos de ano e meio que voltara a haver núncio em Lisboa, após oito anos de cisma. Mas toda a sua vida seria marcada pela sombra anti-religiosa. A perseguição à Igreja em Portugal tinha um aspecto muito marcante, o ódio às ordens religiosas. A vida da Irmã Clara está directamente ligada a ele.

Dos três grandes ataques que o Liberalismo lançou contra a Igreja após o período revolucionário, a Mãe Clara esteve directamente ligada a dois, sendo protagonista principal de um deles. A perseguição latente do período costumava rebentar, de vez em quando, em enormes tempestades. As maiores foram o caso das Irmãs da Caridade, expulsas em 1862, de que Libânia do Carmo era aluna e de cujo Pensionato foi forçada a sair, o caso Sara de Matos, falecida em 1891 numa das casas da Congregação fundada pela Mãe Clara, e o caso Rosa Calmon, de 1901, já posterior à sua morte. Pode assim dizer-se que esta vida esteve mesmo no centro da terrível provação que a Igreja portuguesa sofreu nessas décadas.

Aquilo que esta história mostra bem é a forma como Deus lida com a perseguição. Perante a arrogância bastante pateta dos liberais, o Omnipotente responde com uma superabundância de graças inesperada e esmagadora. Não era suposto haver ordens religiosas. A lei proibia-as. Deus, não só cria uma nova, mas cria-a com uma tal esfusiante prosperidade, eficácia e influência que esmaga qualquer oposição. Vêm da Sua infinita misericórdia as inúmeras vocações, obras e gestos caritativos, inestimáveis para resolver os dramas e as misérias que os inimigos da Igreja não conseguiam solucionar.

A dimensão envolvida é impressionante. A Congregação, fundada em 1871 e reconhecida por Roma em 1876, tinha no fim do século, data da morte da fundadora, 508 irmãs, das quais 464 professas, 28 noviças e 16 recém admitidas ao hábito. Em menos de 30 anos, numa sociedade organizada contra a Igreja, é quase incompreensível esta multidão. «Nada acontece no mundo sem permissão divina», era algo que a Irmã Maria Clara costumava dizer muitas vezes. A perseguição tonta e invejosa aconteceu para se manifestar esta abundância imparável da misericórdia divina.

O elemento fundamental da sua obra, que a coloca para sempre na história de Portugal são milhares e milhares de pobres, doentes, desamparados crianças e infelizes acolhidos, tratados, ajudados, encaminhados. Em época tão turbulenta, ela é um exemplo de atitude cristã face à injustiça e à dor.

Mas o aspecto mais patente é o sentido de humor de Deus. O Senhor da História tem muita ironia na sua acção, que nem sempre entendemos. O contraste gritante entre aquilo que as leis pretendiam e o que Deus fez chega a ser hilariante. Diz o Salmo segundo: «Porque se amotinam as nações e os povos fazem planos insensatos? Revoltam-se os reis da Terra e os príncipes conspiram juntos contra o Senhor e o seu ungido. “Quebremos as algemas e atiremos para longe de nós o seu jugo!” Aquele que habita nos céus sorri; o Senhor escarnece deles» (Sl 2, 1-4). A Mãe Clara do Menino de Jesus é este sorriso de Deus que escarnece dos maçons portugueses.

Escarnece deles fazendo o bem nas suas barbas. Criando uma congregação, totalmente proibida, que em 1999 tinha 140 obras, sendo 44 hospitais, 41 colégios e escolas, 17 asilos de infância, 18 asilos de inválidos, 4 creches, 6 cozinhas económicas, 9 hospícios, 2 pensionatos, 5 conventos e 2 noviciados e estava presente, não só em todo o Portugal, do Minho ao Algarve, mas expandira-se para Luanda, Goa, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Esta desproporção entre o que os homens pretendiam e o que Deus fez é propriamente um milagre, e assim deve ser visto por nós. A vida e obra da Mãe Clara é um milagre do humor de Deus, que sorri com amor perante os esbracejos dos homens que O querem atacar, e responde às perseguições com carinho pelos pobres.

João César das Neves, economista, autor da obra «Os Santos de Portugal»

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