Iraque: cristãos abandonados à sua sorte

A comunidade cristã no Iraque, em particular na cidade de Mossul, está a ser alvo de uma fúria sem precedentes por parte de radicais islâmicos, que condenaram à morte os “adoradores da cruz”. Só no passado fim-de-semana a fuga atingiu mais de 1.000 famílias, que temiam pela sua vida. Os cristãos começaram a fugir da terceira maior cidade do Iraque no mês passado, depois de os extremistas islâmicos terem lançado uma campanha de atentados e intimidação. As pessoas assassinadas serão mais de 20, sendo que pelo menos cinco casas foram dinamitadas depois de os seus ocupantes terem sido obrigados a fugir, por não terem aceitado converter-se ao Islão. O gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas assegurou que 1.560 famílias deixaram a cidade de Mossul na última semana. Actualmente, milhares de homens, mulheres e crianças precisam de comida, roupa e material de saúde. Perante esta dramática situação, a organização católica internacional Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) decidiu enviar 30 mil dólares de ajuda para enfrentar a emergência. O presidente da organização, P. Joaquín Alliende, afirmou que os relatórios recebidos de Mossul “são terríveis”, pelo que, num momento de crise, “o apoio que a AIS está a proporcionar é o mínimo que pode fazer para ajudar”. “Pedimos a todos os amigos e benfeitores da AIS que supliquem a ajuda de Cristo, que deu a Sua própria vida por nós e que através da Sua ressurreição nos oferece a verdadeira esperança. Rezemos por todos aqueles que são perseguidos neste momento terrível”, acrescentou. A perseguição, e consequente fuga de cristãos de Mossul, está a ser condenada mundialmente. Depois dos governos do Iraque e dos EUA, bem com as Nações Unidas, também a Organização da Conferência Islâmica, que reúne 57 países de maioria muçulmana, lançou uma forte crítica à situação. A situação dos cristãos mereceu um apelo sentido do Cardeal Emanuel Delly, líder da Igreja Caldeia, a mais numerosa do Iraque. O Patriarca, que se encontra em Roma a participar no Sínodo dos Bispos, afirmou que “a situação em algumas zonas do Iraque é desastrosa e trágica. A vida é um calvário.” “Falta electricidade, água, gasolina; a comunicação por telefone é cada vez mais difícil, estradas inteiras estão bloqueadas, as escolas estão fechadas ou apresentam sempre perigos, os hospitais não contam com equipas suficientes, as pessoas têm medo”, disse na assembleia sinodal. Situada 370 quilómetros a Norte de Bagdade, Mossul é uma das mais perigosas cidades do Iraque. Em Fevereiro passado, o Arcebispo caldeu da cidade, D. Faraj Rahho, foi raptado e encontrado morto algumas semanas mais tarde. A morte do Arcebispo Rahho foi o primeiro caso a atingir um membro do episcopado local. Em Junho de 2007, um padre e três diáconos foram assassinados em Mossul, capital da província de Nínive. Na mesma cidade, em Janeiro de 2005, fora sequestrado o arcebispo da comunidade siro-católica, D. Basile Georges Casmoussa. Segundo dados divulgados pela agência AsiaNews, do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, entre 2003 e 2007 houve 172 assassinatos de cristãos iraquianos. No regime de Saddam Hussein, os cristãos em Mossul eram cerca de 25 mil; hoje são cerca de 500. Os cristãos originários da área entre o Iraque, a Turquia a Síria e o Irão – onde os cristãos são aceites desde o século I – têm recusado a criação de um enclave étnico-religioso nas planícies de Nínive, alegando que tal solução resultaria numa espécie de “gueto”. História Estes cristãos representam umas das mais antigas comunidades do Oriente, remontando ao século II. Acredita-se que o Apóstolo Tomé, antes de seguir o seu caminho até à Índia, terá deixado na região dois discípulos, Mar Addai e Mar Mari. Da sua pregação nasceu uma Igreja que, nos primeiros séculos do Cristianismo, demonstrou uma enorme vitalidade e se espalhou nas regiões que hoje são a Síria, o Irão e o Iraque. As raízes cristãs são testemunhadas por mosteiros e conventos nos séculos V e VI. A chamada Igreja Assíria do Oriente obteve a autonomia no concílio de Markbata, em 492, com a possibilidade de eleger um Patriarca com o título de “Católico”. Em 1830 o Papa Pio VIII nomeou o “Patriarca da Babilónia dos Caldeus” como chefe de todos os católicos caldeus. A sede deste Patriarcado era Mossul, no Norte do Iraque, e seria transferida para Bagdade em 1950, após a II Guerra Mundial. O rito Caldeu é um dos 5 principais ritos do Cristianismo Oriental e desenvolveu-se entre os séculos IV e VII, antes da conquista árabe. A denominação de “caldeu” prevalece no Ocidente desde o séc. XVII, embora os habitantes da região prefiram a designação “siro-oriental”. As celebrações conservam o uso do aramaico e possuem gestos, espaços e ritmos muito especiais que, nalguns casos, remontam ao tempo dos primeiros apóstolos.

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