2010 é o ano em que a sociedade portuguesa celebra o centenário da implantação da República em Portugal. A este propósito, o Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa delineou um programa de trabalho, iniciado em 2009 e que culminará, em Abril de 2011, com um Congresso Internacional sobre os 100 Anos de Separação. O programa historiográfico do CEHR inclui ainda a realização do Seminário continuado sobre «Religião, Cristianismo e Republicanismo»,
Também neste âmbito se inscreve a publicação do livro António Lino Neto: Intervenções Parlamentares (1918-1926), organizado pelo CEHR e cuja apresentação pública será feita no dia 20 de Janeiro, às 18.30h na Assembleia da República. A sua edição, na Colecção Parlamento, é da responsabilidade da Assembleia da República e da Texto Editores. Resultante do projecto de investigação «Os católicos portugueses na política do século XX», o livro é coordenado por António Matos Ferreira e por João Miguel Almeida, responsável pelo texto biográfico de António Lino Neto nele inserido.
«É muito oportuno, no actual contexto, recordar os vultos fundadores da República. E é oportuníssimo juntar aos habituais outros menos lembrados, que deram uma contribuição essencial para que o regime não se esgotasse na sua primeira vigência.
Efectivamente, quanto se passou em Portugal do 5 de Outubro à Grande Guerra e depois desta, não só não foi unívoco como foi demasiado excludente. Não foi exactamente a mesma a “República” de Afonso Costa e a de Manuel de Arriaga, ou a de Machado Santos e a de António José de Almeida, Brito Camacho e tantos outros. No campo católico, havia adeptos do regime republicano em abstracto, como o próprio P.e Sena Freitas, e antigos monárquicos que aceitavam bem o novo regime, como Abúndio da Silva, julgando-o até preferível ao anterior, no tocante à Igreja; e também havia monárquicos que o continuavam a ser, negando a possibilidade de resolver o problema religioso sem voltar ao regime anterior. Fosse como fosse, foi necessária a colaboração de algumas personalidades para que o regime ganhasse a nova dimensão que o fez perdurar até aos nossos dias, isto é, para que se transformasse em “res publica”. E aqui entra, de pleno direito, a figura de António Lino Neto (1873-1961).
A edição crítica das intervenções parlamentares de António Lino Neto, agora apresentada pelas Edições da Assembleia da República, é trabalho feito pela equipa do projecto “Os católicos portugueses na política do século XX – a reflexão e intervenção de duas gerações: António Lino Neto e Francisco Lino Neto”, coordenado pelo Prof. António Matos Ferreira, director adjunto do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. A biografia de António Lino Neto, centrada na sua actividade política e parlamentar, é da autoria do Mestre João Miguel Almeida, que vem dedicando uma criteriosa atenção às relações entre o Catolicismo e o Estado no século XX português, avultando o seu trabalho A oposição católica ao Estado Novo. 1958-1974, recentemente publicado.
Ficamos a dispor duma informação indispensável para compreendermos a movimentação interna e externa do Catolicismo português na I República. Pela biografia e pelos discursos de António Lino Neto, que dirigiu o Centro Católico Português entre 1919 e 1934, perceberemos como a militância crente mais hierarquicamente autorizada, mesmo no âmbito parlamentar, protagonizou muito mais do que um simples desejo de recuperação ou “reconquista” de antigas posições, hipoteticamente perdidas com a “Lei de Separação” de 1911. Na verdade, de Abúndio da Silva nos alvores do novo regime a António Lino Neto no parlamento republicano, deparamos muito mais com a construção do futuro do que com saudades do passado. Não se tratava de “reconquistar”, mas de inaugurar.
Em António Lino Neto tudo é significativo. O seu percurso, de Mação a Coimbra, de Portalegre a Lisboa, dir-se-ia vir do Portugal profundo à profundidade nova que Portugal ganharia: do primeiro, o interesse pelo município e a agricultura; da segunda, o (re)encontro do mais comum, como cidadania, e do mais englobante, como interesse nacional.
Isto mesmo lhe deu outra largueza nos relacionamentos e mais essencialidade nas ideias. Essencialidade – paredes meias com a sua religiosidade decantada – capaz de relativizar questões de regime ou episódios governativos. Não era ingénuo e conhecia muito bem as cenas e personagens daquela agitada altura. Era antes um estudioso sério dos assuntos, capaz de superar a rama, a moda, o grupo. Era já “personalista”, sabendo que as questões, mesmo tão graves como a da “liberdade” da Igreja e das suas instituições, não se conseguiriam resolver sem aproximar inteligências e desfazer equívocos, serôdios equívocos…
Por ser fundamentalmente um homem religioso – e mesmo “ultramontano”, no sentido autêntico desta palavra, de atender ao que vinha de Roma, do magistério pontifício – guardava a insistência de Leão XIII em não se confundir a causa católica com um regime ou um partido. Na altura era difícil, em Portugal. Mas isso mesmo desfez preconceitos e ganhou-lhe a admiração de crentes e não crentes, já em “res publica” comum.»
(Manuel Clemente, do Prefácio do livro).