Instrumentum laboris

Padre Diamantino Alvaíde, Diocese de Lamego

O último grande ensaio escrito, para a realização da segunda assembleia do sínodo em curso, foi publicado esta semana. O denominado Instrumentum laboris. Temos à mão, sob a vista e já no coração um conjunto alargado de assuntos e proposições que sustentarão a reflexão e o debate da última reunião magna, em Roma, em outubro próximo.

A estrutura do documento impõe-se-nos sempre com novidade. Trará mais expectativa a uns. Provocará menos entusiasmo a outros. Para muitos seria indispensável manter temas quentes que caíram desde a primeira assembleia. Para outros tantos era talvez desejável uma maior contenção em assuntos fraturantes. No entanto, para todos os que cremos e queremos que o Espírito seja o condutor da ação e da reflexão da Igreja, esta é a proposta que mais e melhor ajudará a Igreja a fazer o caminho que Deus quer para o nosso tempo.

A estrutura do documento, assente em três partes essenciais, começa por uma introdução que relembra a amplitude universal dos trabalhos sinodais. O percurso já feito desde 2021 e, particularmente, o acontecimento de outubro passado. Os contributos enviados de novo a Roma, das mais diversas realidades geográficas e religiosas. A envolvência de um vasto leque de pessoas de diversos quadrantes do saber. E a importante ressalva de que, por muitos avanços que se alcancem nesta segunda assembleia sinodal, nunca se conseguirá “a resposta a todas as questões” (Introdução).

As três partes basilares do documento dividem-se em Relações, Percursos e Lugares.

Parte I – A forma como a Igreja se relaciona com as realidades temporais condiciona cabalmente a especificidade da sua missão. Daí o insistente apelo do Papa para a desburocratização das estruturas eclesiais. O modelo paradigmático relacional da Igreja com e no mundo não pode ser outro senão o Trinitário.  Portanto, todos os fiéis, por força do batismo, regem-se pela mesma bitola. Para tal, a Igreja, por natureza carismática, vai reconhecendo os carismas e desenvolvendo os necessários ministérios, como meio de interagir com a Humanidade e de nela testemunhar a riqueza inesgotável do Evangelho, para salvação de todos. Com maior dever e responsabilidade é confiada aos ministros ordenados a missão de estruturar e dinamizar a ação pastoral e os organismos que a suportam, assegurando e promovendo a harmonia das relações. A expressão máxima dessa mesma harmoniosa convivência está no concreto da comunhão entre as Igrejas e no mundo.

Parte II – Todos os tempos têm os seus desafios próprios e as suas oportunidades específicas. E o hoje da nossa história não é exceção. Vivemos “num contexto de crescente complexidade”. Esta realidade desafia-nos, como refere o documento em causa, a incrementar a sempre necessária formação dos batizados, de forma “integral e partilhada” (nº 51).  A tão urgente atitude de escuta que a Igreja deve manter requer dos seus membros uma sólida base de conhecimentos, não apenas teóricos e subjetivos, mas essencialmente práticos e concretizáveis. Só assim se capacitam as estruturas humanas eclesiais para a realização de um discernimento contínuo e constante, sempre difícil e muito sensível, mas imprescindível para o êxito da missão. Por outro lado, requer-se que os processos de decisão sejam bastante mais alargados em número de consultas e mais articulados entre um conjunto de pessoas e organismos (conselhos paroquiais, arciprestais/vicariais e diocesanos), que hoje estão melhor formados e mais bem preparados para decidir assertivamente. Um dos frutos dessa articulação de esforços deve fazer-se notar na “transparência e prestação de contas” (nº 73) – que este Instrumentum laboris prescreve – indispensáveis para garantir a confiança e a autoridade da Igreja.

Parte III – É hoje, incontestável, que o mundo é kairologicamente o espaço da nossa salvação. A incarnação é um princípio basilar do agir eclesial e, como tal, “a Igreja não pode ser compreendida sem implementação num lugar e numa cultura, e sem as relações que se estabelecem entre lugares e culturas” (nº 80).  Sendo que a configuração mundial se carateriza pela vasta diversidade de culturas, povos, tradições, línguas, etc., próprios de cada território, impõe-se que a aposta na unidade seja mais consistente e permanente. O Papa e “as Conferências Episcopais constituem um instrumento fundamental para a criação de laços e partilha de experiências entre as Igrejas” (nº 96), mas nenhum fiel batizado está dispensado desta mesma responsabilidade. Tudo e todos, cada um segundo o seu estado, estão incumbidos da promoção e construção dinâmica da comunhão eclesial, para que a sinodalidade tenha autêntico rosto, visível expressão e real concretização.

 

Pe. Diamantino Alvaíde, Coordenador da Pastoral Diocesana

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