Infindável manancial de beleza

À Igreja compete potenciar uma fruição legível do seu património, apelar à participação na sua mensagem, numa sábia articulação entre as partes: o culto, a cultura, a celebração da fé e a arte

“Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna. Os homens de hoje e de amanhã têm necessidade deste entusiasmo, para enfrentar e vencer os desafios cruciais que se prefiguram no horizonte. Com tal entusiasmo, a humanidade poderá, depois de cada extravio, levantar-se de novo e retomar o seu caminho.”

(Carta do Papa João Paulo II aos Artistas, 1999)

Despercebido aos olhos de muitos, decorreu há dias, em Portalegre, um importante congresso sobre turismo cultural. Em magno auditório, repleto pelos 500 participantes que ali marcaram presença, tudo o mais se esquecia: a crise que assola o país, o FMI que chegara, o pessimismo geral que nos mina as atitudes. Potenciar sinergias, apostar na diferenciação, relevar Portugal, foram palavras de ordem. Sem demora, a questão “Igreja” redundava em temática central! Não seria de estranhar. Com efeito, a Igreja Católica detém a mais elevada parcela do património histórico-artístico nacional.

Enquanto católico, peregrino ou fiel, na pele de um mero visitante ou profissional da cultura, muitos foram já os que, todavia, experienciaram a frustração de não conseguir entrar numa igreja. O respeito pela sua natureza não se compadece, ainda que a pretexto da segurança, com a inacessibilidade que caracteriza uma boa parte deste património, que o desvirtua, que o priva assim da sua missão. Não existe para permanecer fechado. Não vive nem comunica encerrado.

Os templos não são efetivamente museus, tal como os seus bens ultrapassam a dimensão simplista da peça musealizada. Alfaias ao serviço da liturgia, é bem possível acentuar-lhes o sentido, proporcionar-lhes nova vida, numa valorização ativa e genuína.

Sem desvirtuar o essencial, à Igreja compete potenciar uma fruição legível do seu património, apelar à participação na sua mensagem, numa sábia articulação entre as partes: o culto, a cultura, a celebração da fé e a arte. Enfim, oferecer um meio de acesso, de crentes e não crentes, à sublimidade das formas, comunicantes de uma experimentação única, de oração e de vida. Num tempo em que nos falha a firmeza, em que se arrisca o entusiasmo, vale a pena evocar a atualidade das palavras de João Paulo II aos artistas, consentindo um novo olhar sobre este infindável manancial de beleza.

Sandra Costa Saldanha

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