Impostos ultrapassaram a «decência fiscal»

Bagão Félix considera que Igreja Católica deve pronunciar-se sobre austeridade «não apenas através de vozes isoladas» mas «como um todo»

Lisboa, 12 set 2012 (Ecclesia) – Bagão Félix, conselheiro de Estado e antigo presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, afirmou hoje que o novo plano de austeridade revela falta de sensibilidade face à situação económica dos pobres e da classe média.

As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro e ministro das Finanças “evidenciam pouca compaixão social”, disse o gestor à Agência ECCLESIA, acrescentando que os impostos “já ultrapassaram o limite da decência fiscal na relação entre o Estado e a sociedade”.

“A austeridade é uma necessidade porque o país se endividou brutalmente nos últimos seis anos” mas os critérios que orientam a sua aplicação devem ser a “maior eficiência, sobretudo ao nível da geração de emprego”, e a “menor injustiça social”, sublinhou.

A redução de 5,75% da contribuição mensal que as empresas pagam para a Taxa Social Única (TSU) e o aumento de 7% do mesmo índice para os trabalhadores “é uma medida universal e cega, quando deveria ser seletiva, sobretudo para a atividade exportadora”.

O novo ordenamento da TSU “vai contrair o consumo” e aumentar falências e desemprego, o que “o próprio Governo reconhece” ao retificar a previsão da evolução da economia em 2013, argumenta.

O antigo ministro das Finanças acredita que as empresas não refletirão a poupança na TSU no preço final dos seus serviços e por isso vão ampliar os resultados, “o que é uma ironia trágica, dado que os lucros são aumentados à custa da diminuição do rendimento das famílias”.

O aspeto “mais errado e sensível do ponto de vista humano” das medidas é a “nova incidência de mais impostos sobre os pensionistas e reformados”, ainda que não atinja os rendimentos mais baixos, o que traduz uma “violação do contracto ético-político” que o Estado mantinha com aqueles contribuintes.

A “pré-falência” de Portugal não justifica a violação de direitos “que foram conquistados, não apenas ideologicamente mas à custa de descontos e de poupança forçada”, que o Estado haveria de retribuir “segundo a lógica previdencial”, realçou.

A alternativa ao novo plano fiscal é “acelerar as reformas do lado da despesa pública”, mas o que se anuncia nesse campo “é sempre vago e impreciso”, enquanto que “do lado dos impostos as medidas são sempre muito concretas”.

Referindo-se aos aspetos positivos das medidas, Bagão Félix menciona o facto de Portugal ter mais um ano para alcançar uma meta de défice compatível com os tratados europeus e a “maior equidade” na austeridade, “embora muitas vezes com caráter simbólico, como é o caso dos bens de luxo”.

O gestor considera que a Igreja Católica, em nome da sua doutrina social e da “opção preferencial pelos pobres”, é chamada a pronunciar-se sobre as medidas de austeridade, “não apenas através de vozes isoladas, que nem sempre representam a instituição”, mas “como um todo”.

“A Igreja deve dar esperança às pessoas, contribuir para o aumento da coesão social e criticar os poderes públicos e políticos naquelas que são flagrantes injustiças sociais, como as que referi”, sustentou.

O presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, Alfredo Bruto da Costa, revelou hoje à Agência ECCLESIA que a instituição católica está a preparar um documento “sobre as comunicações do Governo a propósito da quinta avaliação da ‘troika’”, constituída pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

RJM

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