Imigrantes debaixo da Lei

“A Lei 38/2003 ignora, pura e simplesmente, aqueles que estão irregulares, os indocumentados, e essa é a maior e mais grave lacuna que eu vejo na lei. Estamos a falar de 50.000 a 60.000 pessoas, temos de denunciar esta situação, até porque essas pessoas começam a sentir-se intimidadas, com os rumores de expulsão. Também há muitos indocumentados que estão a trabalhar: se a lei vai punir com coimas os empregadores, os trabalhadores clandestinos serão despedidos, porque não acredito que os empregadores vão custear os trâmites da legalização”, lamenta o Pe. Veríssimo Teles, missionário espiritano, do Centro Padre Alves Correia (CPAV). Segundo este sacerdote, empenhado no trabalho junto dos imigrantes, a lei, que entrou em vigor na última quarta-feira, não apresenta respostas, não abre possibilidades para que os imigrantes se possam “documentar” – como gosta de dizer. Entretanto, o telemóvel do Pe. Veríssimo Teles toca. As preocupações que exponha à Agência Ecclesia ganham um rosto: é o Manuel, um trabalhador com medo de que a qualquer momento “venham buscá-lo”, explica o Pe. Teles. “Quem entrou em Agosto de 2001 está dentro dos prazos marcados, mas não quer dizer que a legalização se faça imediatamente”, responde-lhe para o sossegar. O nosso entrevistado faz questão de que continuemos a ouvir esta conversa: “estás preocupado, mas ele vai-te fazer esse contrato, tenho a certeza. Eu próprio vou falar com ele, está bem? Não fiques preocupado nem com medo, ninguém te vai mandar do país para fora”, assegura o Pe. Teles. O exemplo não poderia ter sido mais cristalino: “todos estamos de acordo no combate à imigração clandestina que puna os mafiosos e os traficantes, os empregadores menos honestos. O que não se pode admitir é que se potencie o aumento de indocumentados, que ficarão sem as condições mínimas de vida”, sublinha. O Pe Teles não sustém o desabafo: “resta-nos esperar que a regulamentação da nova lei seja humanista, que não expulse do país pessoas honestas e trabalhadoras de que todos somos responsáveis”. Estes “indocumentados” são considerado os cidadãos mais frágeis: “vivem em situação infra-humana, não têm direito a ser acolhidos nas instituições de assistência social, não podem aceder a cuidados médicos a não ser as urgências, estão à margem dos nosso serviços de apoio e da Segurança Social”, revela este responsável. Outra premissa contestada na nova lei por quem trabalha directamente com os imigrantes é a de se condicionar a entrada no país ao mercado de trabalho: “se fundamentalmente todos estamos de acordo com isso, temos de lembrar que há outras maneiras de ser imigrantes. Há quem venha juntar-se à família, há quem chegue por razões humanitárias, pessoas que não vêm directamente para trabalhar, mas que devem ser acolhidas”. Uma esperança que a lei 38/2003 traz consigo é a de se facilitar o reagrupamento familiar: “se a esposa de um imigrante chegar, tem direito a entrar no mercado de trabalho, algo que não era assim no passado. O que não está resolvido é o problema dos menores de pais indocumentados. É de direito universal que cada pessoa tenha uma pátria e temos de acolher esses meninos”, refere o nosso entrevistado.

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