Antiga Alta Comissária para as Imigrações e Diálogo Intercultural pede «reflexão crítica», cidadania «ativa» para desmontar «factos errados, dados errados, estatísticas erradas», sobre imigração, que estão a construir sociedade de medo

Lisboa, 30 jul 2025 (Ecclesia) – Rosário Farmhouse indica a “proximidade” e a “relação” como ferramentas para combater os “discursos” contra a imigração, afastados de factos reais que “aumentam o medo e a insegurança”, e lamenta que a “imigração” não seja “matéria de consenso”.
“O que nós vivemos hoje são discursos baseados em factos que não são reais, que aumentam o medo e aumentam a nossa sensação de insegurança perante o que não conhecemos. E a única forma de combater isso é darmos oportunidade numa relação de proximidade. Precisamos ser ativos, praticarmos uma cidadania ativa à nossa volta e não veicularmos preconceitos”, explica em entrevista à Agência ECCLESIA.
A antiga Alta Comissária para a Imigrações e Diálogo Intercultural (ACIDI) lamenta os “factos errados, dados errados, estatísticas erradas” provocam a “sensação de falta de controle” e um consequente fechamento.
A responsável lembra que Portugal era “reconhecido internacionalmente” como um país com “as melhores políticas” sobre imigração, havendo “grande consenso entre os grandes partidos do governo”.
“Neste momento o que sentimos é que as políticas estão a ser decididas com dados que não são reais; faltam-nos dados, porque o Observatório das Migrações perdeu o seu histórico, porque ainda não está a produzir o que poderia produzir, porque o medo se instalou. Quando decidimos com base no medo, nem sempre decidimos da melhor forma”, traduz.
Durante seis anos, Rosário Farmhouse foi responsável pelo ACIDI e recorda a “tensão” entre os processos burocráticos que se afastavam da realidade das pessoas concretas e a necessidade de decisões que, esperava, pudessem ser benéficas para a população fragilizada.
“Eu própria me zangava com as regras muito rígidas porque achava que quem decide estas regras fechadas em Bruxelas, não tem a noção do impacto que isto pode vir a ter, quer nas pessoas como nas organizações. Eu acho que consegui aproximar os políticos do terreno”, reconhece.
Encontrar a distância ideal é uma sabedoria, porque temos que ter uma distância capaz de perceber o outro, de ajudar o outro, nem tão longe que nada nos afete, nem tão perto que depois já estamos envolvidos com o outro no problema. E essa distância é difícil. Mas eu digo sempre, na escolha da distância ideal, mais vale mais perto do que mais longe”.
Rosário Farmhouse admite já ter tido mais esperança e dá conta de um tempo exigente, que pede “reflexão crítica” e uma cidadania efetiva: “Temos que ajudar a reabrir, a reinventar, caso contrário o futuro vai ser muito difícil. Para contrariarmos esta sociedade que é uma sociedade de medo, todos somos responsáveis, desconstruindo aquilo que é a comunicação errada”.
Depois de seis anos no ACIDI, Rosário Farmhouse foi presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens, entre novembro de 2017 a julho de 2024.
“Percebi que os maus tratos são transversais a todas as classes sociais, que o ser pobre não é necessariamente ser maltratante, que nas classes sociais mais elevadas os maus tratos são muito mais sofisticados e mais difíceis de identificar, e que há crianças a sofrer muito e a ficar com marcas para a vida, que a infância não se repete, que passa num instante e o que se passa na infância não fica só na infância, fica para a vida”, dá conta.
Com uma experiência acumulada que o ACIDI e no Serviço Jesuíta aos Refugiados, onde esteve ligada entre 1996 e 2008, que foi percursor no acolhimento de pessoas vindas de Leste da Europa, Rosário Farmhouse quer colocar esse conhecimento ao serviço de outros e hoje dá formação a diferentes atores nas áreas da infância, das migrações, do diálogo intercultural e da educação intercultural.
O diálogo intercultural é a minha grande paixão e ao longo da minha vida tenho feito pontes, procurando a melhor forma de aprender a vivermos juntos. É isso que quero passar aos outros e é muito gratificante poder contribuir para combater da globalização da indiferença e contribuir com uma dimensão muito prática nestas áreas com muitas histórias e pessoas que conheci.”
A conversa com Rosário Farmhouse pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».
LS