A maior parte dos filmes produzidos até à data sobre a Paixão de Cristo apresentam uma característica comum: o cuidado posto em rodear, de uma forma ou de outra, as imagens de maior crueldade. Como ler é bem diferente de ver, têm entendido os cineastas que não será apropriado fotografar, em toda a sua crueza, a narrativa evangélica, sobre risco do filme produzido deixar de ser acessível à generalidade do público. Mel Gibson optou por uma nova abordagem. Despido de quaisquer efeitos colaterais, toda a estética do filme se centra no sofrimento, em imagens de grande violência, na Paixão tal como a veremos na nossa mente se a lermos com atenção. É uma opção discutível, que muita polémica tem suscitado, sobretudo nos Estados Unidos. Tal como está realizada esta obra cinematográfica transmite-nos, como nunca foi feito antes, toda a crueldade que envolveu a crucifixão e a tortura que a antecedeu. A violência está expressa de uma forma visível, sanguinolenta e chocante. É um filme brutal, como brutal foram os acontecimentos narrados. Não falta, no entanto, ao longo do filme, um forte sentido de espiritualidade. Mel Gibson teve o cuidado de dar, na medida do possível, a dimensão divina de Cristo, para o que muito contribui o desempenho extremamente contido do actor James Caviezel. Ao contrário do que se tem lido, como reacção por parte de alguns grupos nos Estados Unidos, nada leva a crer que o filme seja feito com intenção de condenar os judeus, no seu todo, como um povo. São judeus os que perseguem Cristo e são-no também os seus discípulos. São romanos os que colaboram e executam a maior parte dos actos de crueldade. Mel Gibson atinge os seus objectivos. Narra a Paixão sem amenizar nenhum aspecto; envolve a narrativa com uma estética expressiva, sem recurso a meios excessivos; reforça o ambiente de uma forma muito eficiente com o recurso ao diálogo em aramaico e latim, consoante os casos. E ganha assim, para o filme, uma forte consistência cinematográfica, dando-lhe mais significado e profundidade. Francisco Perestrelllo